segunda-feira, 27 de junho de 2011

Airton Monte - Um dia comum - 17 Maio 2011

Boa crônica - Servem muitas reflexões!!!



Ontem, 16 de maio, foi meu aniversário. Sessenta e dois anos meteoricamente se passaram desde que nasci na mesma cama em que fui concebido. O tempo tem por nós uma insaciável fome de flagelado. Até agora não sei se posso chamar esses 62 anos de verões, outonos, invernos, primaveras. E eu, logo eu, justamente eu, que detesto acirradamente as segundas–feiras, acho de aniversariar numa segunda–feira. O acaso tem lá as suas brincadeiras de mau gosto. Foi um dia comum, igual a tantos outros já por mim vividos. A não ser pelo mero fato de haver dado mais um passo no caminho da velhice. Claro que recebi presentes, os amigos telefonaram me dando os indefectíveis parabéns. Talvez por não nutrir muita simpatia por natalícios, me perguntei: mas, parabéns por que? Não que eu seja pessimista, todavia penso que só se deve comemorar genetlíacos até o sujeito fazer trinta anos. Depois disso, passa a ser um dispensável exercício de masoquismo.

Enfim, atravessei as fronteiras das seis décadas de vivência neste mundo. Nada a fazer, tudo por fazer. Nada findo, sequer terminado. Tudo por começar, recomeçar, quem sabe. Na vida, somos todos marinheiros de primeira viagem. Mesmo que tenhamos velejado por mares nunca dantes navegados, enfrentando tempestades e calmarias existenciais a cada porto em que lançamos nossas âncoras. Desconheço se serei um capitão de longo ou breve curso. Diante de tal dúvida, prefiro cantarolar os versos de um samba de Paulinho da Viola: sou como um velho marinheiro, que em meio ao nevoeiro leva o barco devagar. Medo algum me aflige a idade. Ontem, porém, evitei olhar-me ao espelho. Assim como dispensei festejos e comemorações. Envelheci mais uma fração de tempo. Pronto. Sem ponto de exclamação, apenas reticências, sinônimo de continuidade, apesar da inevitável finitude que me espera numa curva indefinida do caminho que percorro a passos às vezes rápidos, às vezes lentos.

Coisa chata é envelhecer. Não significa que você viveu mais. Apenas viveu. Dessa ou daquela maneira. O moleque safado que me habita diz, sarcástico, que nem mais sábio me tornei. Minha ignorância esqueceu de transformar-se em sabedoria, pois aprendi menos do que devia. Inútil acumular uma multidão de livros nas estantes, como se o saber se medisse por metro de páginas contidas na caseira biblioteca. Repito, com Clarice Lispector, que não gosto desse pacto com a mediocridade de viver. Não que minha vida tenha sido medíocre o tempo todo. Também houveram em mim alguns lampejos de inteligência, raros por sinal, mas houveram. Tentei viver intensamente tanto quanto pude. Posso dizer que beijei a boca da vida feito um amante ensandecido de paixão. Suguei-lhe, sem distinção, o fel e o mel. Remorsos não guardo, nem culpas. Alegrias, tristezas, pequenas e grandes tragédias pessoais aconteceram em meu trajeto. A poucos prazeres me furtei, hedonista contumaz que sempre fui.

Quão ilusório pensar que aniversariar é como nascer de novo. Besteira. Em verdade, a cada aniversário se morre um pouquinho mais. Fernando Pessoa falou-me, enquanto bebíamos uma garrafa de absinto num botequim pé-de-chinelo de Lisboa, que cada um de nós é um grão de pó que o vento da vida levanta, e depois deixa cair. E eu acredito nele, porque os poetas jamais mentem, somente transfiguram a realidade. E a minha atual realidade é estar com 62 anos, nem leves nem pesados, sobre meus ombros frágeis. A juventude passou de há muito. Todavia me deixou lembranças que me alimentam a velhice com um vigor inesperado. Desistir da luta? Considerar-me vencido? Nem pensar. Combatente sem jaça, resisto, impávido, nas trincheiras do cotidiano, aniversário após aniversário. Ontem foi ontem. Hoje é hoje. Para mim, carece de antecipar o amanhã que há ou não de chegar. E o sol me dirá bom dia certamente. Afinal, os mais velhos merecem respeito. Não por serem simplesmente velhos, mas por estarem vivos.

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