terça-feira, 21 de junho de 2011

Airton Monte - Tempo , tempo , tempo - 11 Abril 2011

Genialidade total de Aiton nessa crônica!!!!!


Airton Monte - Tempo , tempo , tempo - 11 Abril 2011



Mais um dia que passa. Mais um dia que vivo ou sobrevivo e agradeço mui penhoradamente essa vital oferenda a todos os deuses conhecidos e desconhecidos, apesar de todos os reveses últimos pelos quais andei atravessando. Há dias que se esvaem, que se esvanecem numa rapidez tamanha que mal chegamos a nos dar conta de sua meteórica passagem. Amanhece, entardece, anoitece como as cenas de um filme projetadas em alta velocidade. Hoje foi um dia desses, tão cheio de pressa feito estivesse atrasado para o sempiterno encontro antes da hora marcada com o amanhã. Talvez porque se trate de uma segunda-feira, o mais cruel dos dias, por ser a absoluta senhora dos relógios, rainha da rotina em que os compromissos são implacavelmente inadiáveis, a não ser que se esteja gravemente doente ou mortos.

Somos, na verdade, uns miserandos escravos do tempo e essa gasta expressão, a qual gostamos tanto de usar, “passar o tempo” trata-se de uma simplória inverdade. Nós jamais passamos o tempo nem o gastamos. O tempo é que nos passa e gasta. Quando percebemos, quando compreendemos isso, por vezes é muito tarde, tarde demais, podem acreditar. Um belo dia somos jovens, esbanjando saúde, vitalidade, sonhos a granel. No outro, nos olhamos ao espelho, ocupados no prosaico ato de barbear-se e vemos, espantadíssimos, refletir-se a cara enrugada de um velhusco, de ralos cabelos embranquecidos e sonhares menores do que já fomos capazes de acalentar. Os dias passam, pois seu mister é passar. Vão nos legando suas marcas indeléveis em nosso corpo e em nosso espírito. O tempo é um tatuador do inesperado que nos faz perguntar: o que aconteceu comigo?

Ora bolas, meu prezado amigo. Aconteceu com você exatamente o que costuma acontecer com todas as gentes. Simplesmente o tempo lhe pegou pelas goelas e lhe transformou, sem apelação possível a uma corte porventura superior, no indivíduo que você é agora, nessa imagem que lhe parece irreal, distorcida, surgida no espelho enquanto você se barbeava tranquilamente. Eu mesmo tomo cada susto tremendo, quando em vez, ao deparar-me comigo na máquina de formato oval de fabricar imagens pendurada na parede do banheiro. Constato o óbvio:as mudanças de idade trazem consigo as indesejáveis mudanças físicas das quais nenhum de nós está a salvo. Todavia, espantar-me logo finda porque envelhecer trata-se de uma doença própria dos vivos, cuja cura só se alcança ao encetarmos aquela temida viagenzinha para a cidade dos pés juntos.

Lembro-me, nesse justo instante, que daqui a breves 30 alvoreceres estarei adentrando a contragosto nos encanecidos umbrais dos meus 62 outonos, os quais prefiro, por questão de gosto, apelidar de 62 primaveras. Não sei se bem ou mal vividas, existidas, experenciadas. Ainda não cheguei a uma conclusão definitiva, pois é assunto que não me agrada pensar. As respostas virão de qualquer modo, independente de minha vontade. E de nada adianta lutar desbragadamente contra o tempo, submetendo-se a cirurgias plásticas, recauchutar a cabeleira, renovar a sambada dentição através de implantes. Claro que tais fugidas do envelhecer conseguem melhorar as aparências, porém você permanece com a idade cronológica e suas inevitáveis vicissitudes. Lutar contra o tempo é batalha perdida. O tempo sempre vence. E por nocaute.

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