sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Crônica: Os Mapas da abstração - 30 de Janeiro 2014

Como são mágicos os mapas! Como é importante essa ferramenta de orientação e localização. Tão importante para que se chegue ao destino mesmo sem nunca ter ido a ele! Não precisa nem ser um esperto em Geografia, cartografia ou Matemática para poder se situar sob orientação de um mapa. Ah como o estudo sobre a localização na terra foi importante para os colonizadores! Como seria possível aos ibéricos terem chegado por essas terras não fosse o estudo cartográfico do planeta terra? A posição de um astro no firmamento serve de referencial para o posicionamento. Qual será o asteróide que me guia? Desde quando ele me acompanha? Por que eu não percebi sua presença nas cercanias de minha visão periférica? Bobagem fazer todos esses questionamentos, ficar impressionado com tais fatos, uma vez que a cada dia que passa me torno mais solitário, um ermitão. Para que vou me impressionar com artefatos de atlas, se ultimamente quase não saio mais nem de minha casa?! Daqui a pouco me tornarei um imóvel , um imóvel qualquer da casa , tal qual uma geladeira, estou tão frio por dentro e por fora do que uma geladeira estática num canto da cozinha da casa. Para quê mapa se não há necessidade de seu uso nesse meu pequeno tugúrio? Impossível me perder entre estas quatro paredes encardidas pela ação do tempo! Na verdade me perco dentro de mim mesmo, procuro encontrar poemas que eu compus há tempos atrás e não tomei nota, nem recordo como era sua estrutura! Esses se perderam pelo universo gigantesco de minhas divagações abstratas diárias. Perdeu-se ainda em meu cérebro, o acorde de uma canção antiga que eu gostava de ouvir nas horas de ócio. Fugiu também de minha mente a imagem daquela antiga paixão juvenil, não consigo restituir as peças que formavam o rosto daquela jovem, era bela sua feição, isso eu lembro bem, mas mesmo assim não consigo montar sua fotografia, só uma quase caricatura espessa. Preciso de um mapa, mas não de um mapa tradicional e metódico. Um mapa em que eu encontre as conexões psíquicas desfeitas, uma solução para os embates ao longo da vida. Um mapa que refaça afetos, que forneça coordenadas para outras paragens sossegadas dentro de mim mesmo. Um lugar oculto e plácido dentro do meu eu e da noite. Um GPS que encontre o Eldorado íntimo e objetivo onde emana prosperidade e paz. Talvez o homem ainda não tenha encontrado encontrou a solução para isso, mas a longo prazo, quem sabe, seja possível se construir a cartografia psicológica humana e assim usarei de verdade um mapa.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Crônica : Solidão de uma Manhã Qualquer - 23 de Janeiro 2015

Calmo, silente no meu lugar, estou solitário em casa refletindo a respeito da vida. Compartilho, automaticamente, esse pequeno lugar tão meu e tão solitário com meus anjos e demônios do dia-a-dia. Começo a fazer questionamentos vários. Algumas inquirições a mim mesmo. Seria possível colher num mesmo local, todas as cenas que ocorrem mundo afora nesse momento? Teria sentido ver todas as cena s e atos de todos tantos lugares dessa bolota chamada Terra?  Como em um filme cujas cenas exporiam  todos os fatos acontecidos no entorno desta esfera habitável por nós e por outros .  Há uma lauta variedade de fusos horários, locais, paisagens, lugares. Tudo diferente, assim como culturas, fatos e ações, pessoas várias. Provavelmente em algum lugar do mundo, a essa hora, alguém dorme um sono profundo, um sono bom e tranqüilo. Enquanto em outro lugar, uma alma insone tenta conciliar o sono numa tarefa hercúlea da madrugada alta. No lar de algum país desse vasto mundo  ocorre um farto banquete,  mas em outro  lugar qualquer desse mesmo país,  um sem número de famélicos esperam as sobras de um restaurante suburbano, às três da tarde. Enquanto um atleta percorre uma ultra maratona esbanjando saúde, em algum leito de hospital uma jovem agoniza esperando a hora fatal com o corpo carcomido por muitas mazelas. Há ainda a essa exata hora um funcionário bastante atarefado trancado numa sala burocrática em meio a arquivos, papeis e carimbos, enquanto que no mesmo instante,  não muito distante daí, um homem simples realiza a prazerosa tarefa de pescar num lago de águas tranquilas e serenas, completamente desprendido de preocupações maiores. Também a essa hora, numa estação de pesquisa científica na Patagônia, alguém trabalha bastante agasalhado para enfrentar a baixíssima temperatura. Contraditoriamente, em outro lugar, trabalhadores da construção civil buscam um filete de sombra para se protegerem do intenso calor emanado dos raios solares. Ainda a essa hora um bebê nasce em uma maternidade qualquer da Nigéria, enquanto na Suécia , uma esquife cruza os portões de um cemitério suburbano  no ato final de um sepultamento. No momento igual, há um conflito armado no Camboja, enquanto ocorre um casamento coletivo no Canadá. No mesmo instante, empresas decretam bancarrota  enquanto simultaneamente  uma mulher confere um bilhete de loteria premiado com uma grande monta. .  

Tudo ocorre ao mesmo tempo, fenômenos sociais  opostos ocorrem em várias partes do mundo. Simultaneamente a essa hora há dores e prazeres, lágrimas e sorrisos, ódio e amor, altruísmo e egoísmo . Fadiga e ócio, lassidão e disposição corporal. Onipresença, queria ter essa capacidade, talvez até tivesse mais inspiração para terminar  um livro que venho trabalhando a anos! Enquanto penso nesses fatos,  me vejo preso solitariamente ao vazio do meu  tugúrio numa manhã qualquer da semana, o relógio marca dez horas. Há livros na minha estante,  não li nem a metade deles. Em cada cômodo da casa solitária há um cinzeiro cheio de guimbas fétidas, há uma angústia poética em cada cinzeiro. Há em mim uma vontade da onipresença, o desejo de um poder fantástico e absurdo do ponto de vista científico. Na realidade, existe esse desejo em mim, porém  o ócio me limita até minha ida a esquina numa busca desnecessária de cigarros. É muito despautério de minha parte ter tal pretensão. 

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Crônica: Epitáfio e Pecúlio - 15 de Janeiro 2015


A morte quase sempre nos pega sem esperar e eis que de repente chega a notícia de falecimento de um ou outro conhecido, amigo, parente ou vizinho. Ontem eu fui acompanhar um funeral de um morador cujo tugúrio se avizinha ao  meu, senti-me na obrigação de  cumprir esse ato de piedade cristã, inevitável não acompanhar o cortejo fúnebre até o campo santo.Tudo é estranho nessa nossa vida, pois até ontem o defunto ( que a essa hora ainda não era um) fazia planos e mais planos para o futuro. Falava em projeções, projetava empreendimentos, viagens, outros planos a longo prazo.
Eis que o cortejo segue,  o sepultamento foi no meio da tarde, tarde de sol dentre tantas tardes de sol ocorridas na existência daquele homem agora morto.A procissão dos que acompanhavam o caminho do cemitério, era feita em meio a ladainhas e jaculatórias. No cortejo quase todas as pessoas trajavam roupas pretas, apesar do calor daquela hora da tarde, homens sisudos e mulheres lacrimosas. O conglomerado caminhava unido, em cada pensamento dos ali presentes, pairavam dúvidas e incertezas quanto a instituição da morte. Todos ali, por um momento, pensavam em suas mortes. A marcha continua, o ataúde vai a frente liderando os passos de todos rumo ao campo santo.
Finda a cerimônia resolvi percorrer as ruas do cemitério em busca de túmulos de parentes e ou amigos. A ausência prolongada de minhas estadas por esse ambiente fez com que aumentasse a dificuldade em encontrar tais catacumbas, nessa busca encontrei vários túmulos, dos mais variados tipos, uns mais bem erigidos arquitetonicamente, outros modestos, quase sem identificação de nome ou fé, somente as inicias de cada nome e uma modesta cruz,  me detive entre tantos eles, fiz orações em outros, desconhecidos ou nem tanto, colhi epitáfios, fiz reflexões sobre tais frases e lembrei que eu ainda não tinha nenhum epitáfio para  por sobre minha laje. Divaguei sobre tal fato e estranhei por  ser este meu único bem a ser deixado em testamento , um epitáfio, este será meu único pecúlio deixado em testamento cartorial! Ilusão minha.  Seria mesmo necessária uma frase de efeito para por sobre minha lápide? A quem poderia interessar? Nem mesmo um visitante desavisado ao cemitério se interessaria por isso.  Ora, se ninguém nunca se interessou nem pelos meus quatro sonetos alexandrinos que sempre divulguei na mesas de bares que perambulei, por que iam se interessar por uma frase escrita sobre um lápide de cemitério? É muita inocência crer em tais circunstâncias.