Ele não é um peso, ele é meu irmão
Noite qualquer. Não tenho saído mais as noites. Meus hábitos
estão diametralmente opostos ao dos vampiros. Me encontro na rua principal da
pequena urbe e constato que muita coisa mudou por aqui ou ali. Outrora, não faz muito
tempo, nesta pequena alameda, as calçadas eram sitiadas por locatários deste espaço semi público. Em dias de hoje tudo está diferente. Os espaços das calçadas
das casas foram tomadas por vazios por quase toda extensão da rua. A esta hora
da noite e nas próximas horas profundas, mais ainda. Não que a formação do elenco dos que ali habitam tenha sido sofridos mudanças na composição, embora os mais
jovens tenham buscado outras paragens nos grandes centros urbanos das maiores
cidades. Tudo bem que os locatários mais velhos tenham se enfastiados daquelas
práticas de outros tempos e que o celular individualizou mais ainda os
indivíduos. Só sei toda esta cena mexe comigo e me causa uma grande estranheza!
Merece destaque nesta rua ainda a grande loja de secos e molhados que fica
funcionando até altas horas da noite e atrai consumidores sedentos por coisas
totalmente supérfluas para o consumo individual.
O relógio acelera e estamos no “Day After”. Manhãzinha no
centro comercial citadino. Os rentistas do escambo mercadológico, ainda
afetados pela última crise, estão em processo de recuperação lenta e gradual. Na
esperança de um “upgrade” em seus negócios eles ali chegaram quando as
sombras da noite passada ainda se despediam. A crise fez crescer pelas
cercanias do comércio, o número de pedintes famélicos. Aumentaram ainda os
vendedores de bilhetes do jogo do bicho (sempre o jogo alimentando a esperança
do dinheiro fácil), os operadores de motocicletas em regime de entrega de
encomendas. Na esquina da rua direita com a rua Nova, um jovem motoboy ouve em
seu smartphone de som estridente e agudo uma canção em inglês do cantor Bill
Medley. Ele não compreende uma palavra da língua de Byron. E eu também não entendo
bem a metáfora que o Yankee quis transmitir naquela música, naquela língua! Caso o jovem da moto
tivesse consciência de classe, estaríamos nas fileiras daquelas que fazem a
revolução contra o sistema estabelecido! Ele não é um peso, ele é meu irmão.
As horas avançam com uma velocidade naturalmente maior mais
uma vez. E mais e mais. Minha cabeça está cheia de ideias. Ideias profusas e caóticas. Elas
chegam como uma tempestade cerebral. Tal qual uma Brainstorming as ideias
pululam em meu limitado cérebro. Preciso de um local sossegado para domar estas
ideias e pô-las em ação. Preciso repor meu déficit de sono de várias noites passadas.
Preciso cumprir minha obrigações dionísicas da noite de sexta feira. Preciso
guardar meu segredo bilateral ( ou seria unilateral?) com aquela mulher. Preciso encontrar um pouso
alegre na meditação teológica. Preciso não enlouquecer com a situação social e
política convulsionada da nação brasileira. Vou dormir antes que eu seja
engolido por isto tudo.