26 de Outubro - Pequena Crônica - Tertúlia
Manhã de um dia qualquer. Dia
neutro. Dia cinza. Preciso sair de minha clausura de três ou quatro dias. Minha
solidão causa uma angústia desgastante. Minha respiração está opressa neste interregno
eremita, mais ainda porque tenho intensificado minha condição de fumante
inveterado. No autoexílio na casa de móveis arcaicos resta muito pouco o que
fazer além de lê, fumar, comer algo e pouco nas horas incertas e dormir sonos
assombrados e cheios de interrupções. Mantenho meus custos para a manutenção de
minha existência através de um minguado montepio deixado por meu pai. Sou um
dos últimos galhos de uma árvore genealógica que foi bem mais frondosa do que
hoje e logo logo serie uma galho a ser podado dessa copa.
Saindo da minha bolha cosmopolita, vou campear mudamente os
limitados espaços citadinos. A esta hora equânime há poucos locatários da urbe,
mas há vida. Pulsão de vida. Cenas rotineiras. Um cortejo fúnebre passa na rua
do cemitério, o sino da igreja católica dobra pelo finado. Sob o campanário há
anacoretas que não cessam de propalar silentemente suas jaculatórias. No lado
oposto a praça há um pregão de um vendedor de bugigangas. Há ainda por ali
outros sitiantes, vagabundos, vendedores de bilhetes de loterias, mães de
santos, pastores e meretrizes. Todos no mesmo espaço. Ao boreal dali ficam as
casas comerciais onde os clientes gastam despudoradamente seus surrados numerários.
Há ainda o Ratisbona bar, um misto de café e restaurante, onde a esta hora tem
apenas dois clientes: um casal de meia idade troca carícia cheio de lascívia
como se eles fossem os únicos habitantes de um paraíso inóspito.
As cenas se sucedem, o tempo se
gasta. E tudo isso que foi registrado por aqui me deixou chato, enjoado e
lasso. Preciso voltar para meu recato, para minha bolha. Quero fugir daquilo
tudo. Preciso me recolher ao meu eremitério. Preciso voltar para a penumbra.
Está no meu ambiente de ar rarefeito incensado pelo fumo que saem de meus
cigarros que se fumam por si só.