Claro que a gente está cansado de saber que apesar de haver tomado uns banhos de suposta modernidade, aqui e ali, desde a sua histórica fundação, nossa mui amada Fortalezinha ainda vai custar bastante a perder completamente o seu jeitão de simpática provinciana. Em determinados aspectos gosto que ela seja assim, em outros chego a abominar o seu atraso, dependendo das circunstâncias em que demonstra a sua civilidade ou sua incivilidade cevada na paçoca e na cachaça. Gosto do costume antigo, cada vez mais raro, por vezes só encontrado nos bairros suburbanos, dos vizinhos conversando animadamente sentados em cadeiras nas calçadas, trocando gentilezas, dando e recebendo generosas doses de solidariedade, promovendo festas comemoradas em comum que nem nos meus tempos de menino, quando as pessoas moravam em casas e não em gaiolas encarapitadas umas sobre as outras, por mais confortáveis e luxuosas que sejam.
Como toda província digna desse epíteto, que logo esclareço não ser de modo algum pejorativo, a nossa Lourinha Desposada pelo sol equatorial, tão desprezada pelos que nela mandam e desmandam, acaba, sem querer, mostrando, quando em quando, os seus mais arraigados preconceitos de toda ordem, sua doce ingenuidade e matutice, termo, aliás, não usado por esse escriba em tom ofensivo. Em algumas ocasiões, eu me desmancho em boas risadas. De outras, eu morro de raiva, de irrefreável vergonha. Só para dar ao leitor um pálido exemplo do que falo, lembrei-me de um fato acontecido no começo da década de noventa do século passado. Pois andou se homiziando, neste alencarino balneário, um tal de príncipe herdeiro de nossa briosa família imperial, se é que hoje em dia alguém continua dando importância a essa inominável cafonice de brasílica nobreza. O soçaite tupiniquim ficou ouriçadíssimo com tão augusta presença cá em nossas nordestinas plagas.
Subitamente, como por milagre, muitos viraram monarquistas de carimbo e carteirinha da Aldeota ao Porto das Dunas. Disseram as más línguas da época (com toda certeza a gentinha não convidada para as várias recepções oferecidas à principesca figura) que a disputa pelos convites tão desejados para receber o ilustre descendente de dom João VI, ‘O Perebento’, tornou-se tão acirrada, uma verdadeira briga de foice no escuro. Houve até socialite, de tão empolgada, que chegou a decorar o deck da piscina com tapetes persas. Outra mais afoita, depois de exagerar no champanhe, ousou convidar o nobre elemento pra rebolar o esqueleto ao som de lambadas e forrós. Um despautério geral. É por essas e outras que nossa Taba de Alencar é um eterno manancial de otários e um paraíso natural dos picaretas dos mais diversos calibres. O cearense continua padecendo do Complexo de Caramuru, onde tudo que vem de fora é bom, mesmo que seja ruim e tudo de casa é ruim, mesmo que seja bom.
Além do mais, Fortaleza é a única cidade do mundo a ostentar cantores que não cantam, pintores que não pintam, mais escritores do que leitores, como não me canso de dizer, embora haja inconformados colegas de ofício que me criticam, acerbos, por afirmar tal inegável verdade. Outrossim, nos nossos jornais viceja uma infinidade de colunistas sociais em maior quantidade do que os propriamente ditos colunáveis. Ao afirmar tal opinião, desejo ressalvar que posso estar absolutamente equivocado por não ser um profundo conhecedor do assunto e mil desculpas peço antecipadamente aos que vestirem a carapuça. Seja lá como for, continuamos todos a fruir os nossos habituais prazeres como e quando podemos. Resta-nos outra saída além da embriaguez dos sentidos, a anestesia geral dos sentimentos? Não tenho respostas. Será que não se precisa falar mais nada a respeito do quanto nós, cearenses, perdemos de dignidade? Enquanto isso, a banda toca e o baile prossegue nesta Casa de Noca tropical.
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