segunda-feira, 27 de junho de 2011

Airton Monte - Dúvida Atroz - 16 Maio 2011

Airton Monte - Dúvida Atroz - 16 Maio 2011


Evidentemente, bem sei que poderia ser um tantinho mais pragmático, como, por exemplo, estar a ocupar-me fazendo algo útil para melhorar minha condição de vida gastando o bestunto à procura de uma melhor maneira de ganhar dinheiro em maior quantidade sem trabalhar demasiado. Não dizem, à boca pequena, que quem trabalha carece de empo para acumular o vil metal? Ao invés de encetar tal tarefa, cá estou quieto no meu canto, na calada da noite, meditando nas coisas do existir, nos variados fenômenos sócio – culturais, nos acontecimentos espantosos que só costumam suceder na Gentilândia, no Flórida Bar, no Clube do Bode, nas indefectíveis rodinhas de desocupados sabatinos que me habituei a frequentar todo fim de semana com o intuito de aliviar as preocupações cotidianas. Bendita válvula de escape é encontrar-me com os amigos num bate - papo descontraído.

Se eu contar, sob forma de crônica, o que ouço e presencio nesses descompromissados convescotes, ninguém, principalmente aqueles de natureza cética, vai acreditar, feito essa conversa de que o Ceará transformou-se num oásis de prosperidade em meio ao deserto pátrio, pois sim. Difícil enrolar o desconfiado canelau na base do pão e circo, qual nas antigas. Porém, o que quero mesmo é falar do amigo Otacílio, um poço de contradições, um ser humano controverso, mormente após ingerir a vigésima dose de cachaça. Sóbrio, o Otacílio, de natural, comporta-se como uma brejeira moçoila à antiga, de solidéu e califon. Defeito de educação, sussurram os mais chegados. Bichice mesmo, replica o nosso herói, um gayzão de dois metros de altura por três de largura, um Rambo com a voz da Tetê Espíndola, cantora dos tempos em que galinha ciscava pra frente.

Tanto é assumido, que saiu do armário ainda na tenra infância. Prefere ser chamado carinhosamente pelo doce apelido de Otacílio Perobão. Ele mesmo se define como um viadão clássico – moderno. Estudou na Suíça, aprendeu artes marciais com o Bruce Lee em pessoa. Campeão de tiro ao alvo, professor de dança flamenga, dá aulas de culinária francesa, presta assessoria de etiqueta em faustosos casamentos. O problema se dá quando o Otacílio enche a caveira de homéricos birinaites e vira a casaca, tornando-se o maior machão da paróquia, saindo por aí caçando mulher, fazendo arruaça, presepadas, botando boneco nos locais mais barra pesada da cidade. Cisma de armar arranjos florais em balcão de botequim, obriga o pessoal do carteado a trocar os naipes por agulhas de tricô. O último sujeito a divergir de suas inusitadas invenções levou uma bala de raspão na testa e um golpe de caratê que o deixou manquitolando até hoje.

Um dia desses, um desavisado achou de maltratar o bichinho de estimação do Otacílio. Um simpático Louva - a – Deus que ele nominou de Gongylus gongyloides. Daí o pau quebrou no meio de uma Gentilândina pracinha. O estrago foi tamanho que obrigou a agoniada vizinhança a chamar a viatura do Ronda do Quarteirão, ambulância do SAMU, repórteres de rádio, jornal, televisão. O nosso Otacílio só condescendeu em se acalmar e serenar os ânimos a pedido de sua avó, por quem foi criado e a quem considera como mãe. Domingo, na hora do almoço, enquanto degustávamos um suculento peba, ele confessou estar ficando apavorado com sua dupla personalidade. Bebendo compulsivamente, sem conseguir ficar sóbrio, o machão começou a sufocar sua essência de boneca sem dar-lhe um instante de sossego. E o Otacílio vive sofrendo, acossado pelo pavor de nunca mais voltar a ser, novamente, um feliz homossexual.

Nenhum comentário:

Postar um comentário