Airton Monte - O clube da Esquina - 20 Junho 2011
Sim, meus perclaros e indispensáveis leitores. Digo que sim sem mais delongas e deletérias tergiversações, pois tenho cá os meus cuidados para evitar-lhes o abuso da generosa paciência e tolerância com que acolhem estas minhas cotidianas mal traçadas. Leitores assíduos, de indiscutível bom gosto estão se tornando demasiado raros hoje em dia, que quando um autor os encontra, faz-se preciso cultivá-los como flores exóticas em seu jardim de palavras, agradecendo penhoradamente aos céus pela bênção de tê-los. Os leitores pedem. Pedem, não. Antes exigem, acima de tudo, uma total sinceridade de quem escreve. Uma sinceridade suicida, sem vestígio de mentira, sem o covarde artifício do subterfúgio e a solerte artimanha dos eufemismos. Nada de fingir o que na verdade não se é, criando uma falsa imagem destinada apenas a enganar, ludibriar aqueles que gastam seu precioso tempo lendo o que você escreve numa página de jornal. Ao leitor não se engabela impunemente durante muito tempo.
Na esmagadora maioria das vezes, os leitores são muito mais inteligentes do que os escritores. Eis uma preciosa lição que bem cedo aprendi com mestre Moreira Campos. Portanto, inútil e vão tentar subestimá-los. Pois muito bem. Como nasci no século passado, sou do tempo em que todo adolescente mais ou menos normal pertencia a um Clube da Esquina da rua onde morava. Eu também tive o meu, confesso eivado de um juvenil orgulho. E não pensem vocês que se tratava de uma esquinazinha qualquer, sem nenhum significado histórico no decorrer de minha breve existência. Estou falando da épica, olímpica, epopeica Esquina, com E maiúsculo, da rua Dom Jerônimo com a velha Avenida Carapinima, hoje chamada de José Bastos. Situada, por sinal, em frente à casa do lendário Zé Brasil, boêmio inveterado, mas um mui laborioso funcionário dos Correios e Telégrafos, que chegou a ser técnico do saudoso time do Nacional Esporte Clube, eterno disputante à lanterna do campeonato cearense de futebol, na época em que as galinhas ciscavam pra frente.
Tornar-se um frequentador contumaz da esquina, principalmente ser aceito pela turma que mandava e desmandava na esquina como um igual era um decisivo ritual de passagem da infância para a adolescência. Além de revestir-se de uma fascinante auréola de rebeldia, uma indispensável afirmação de macheza e prova incontestável de virilidade. Afinal, da esquina para o popular cabaré da Dona Estênia era um pulo, nas noites eróticas dos sábados. Sem falar que na esquina acontecia quase tudo de importância em nossas vidas. Desafios, brigas, reunião antes das peladas no campinho da Igreja dos Remédios, ensaio das serenatas e muita, muita esculhambação. Graças a Deus, só fui obrigado a ir á Brasília uma única vez em meu inteiro existir e, que, felizmente espero haja sido a última. Brasília, uma cidade sem esquinas, mãe de todos os tédios urbanos. Espanta-me que Niemeyer, um apaixonado pelas curvas, tenha criado uma cidade desprovida do encanto das esquinas. Jamais viveria em Brasília, pois decerto morreria em meio a uma agoniada solidão.
Para nossos pais, a esquina não passava de um veraz antro de perdição. Mal sabiam eles o quanto a esquina nos era vitalmente necessária. Como também não deviam perceber que, paralelo ao mundo deles, oficial, fervia um outro mundo meio marginal. Com suas regras próprias, suas leis, sua hierarquia, seus prêmios, seus castigos, sua linguagem, seus hábitos, seus costumes, sua ética, sua moral, seu sistema de poder. Na esquina tudo era permitido. Quanto mais proibido, melhor, menos chorar pra mãe ouvir, quando o sujeito levava uma mão de peia. Em verdade, a esquina nos dava, por bem ou por mal, uma identidade novinha em folha. Na esquina, enfim, éramos alguém, uma pessoa. Deixávamos de ser apenas o filho de Fulano, Beltrano, Sicrano. Talvez, por isso mesmo, todos nós cultivávamos um apelido, um nome de guerra, um secreto codinome. Fazíamos parte de um grupo, de uma turma, de um bando, de uma tribo. Pois é. Quanta saudade em mim pulsando da esquina sem perigo de ladrão atrás da curva. Sabe lá das esquinas por onde andei. Sabe lá, como canta o Djavan.
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