terça-feira, 28 de junho de 2011

Airton Monte - Frágil, o amor - 31 Maio 2011


- Diz que me ama, diz que me ama, diz que me ama, por favor. Diz que me ama, pelo amor de Deus. Diz que me ama, por tudo quanto é mais sagrado. Diz que me ama, senão eu morro. Diz que me ama, senão acabo fazendo uma besteira. Diz que me ama só um pouquinho.- Pediu, implorou a mulher pela milionésima vez naquele dia, naquele momento, toda açucaradamente, toda angustiadamente se derretendo, se desminlinguindo, toda deliquescente, repetindo as palavras como um cantochão de carpideira. E ele, afogado naquele mar de súplicas, sem mais saber o que fazer. Ele, o desinfeliz objeto daquele torturante, escravizante amor. Ele, agoniado, que já não mais conseguia suportar o diabo do insistente, repetitivo, humilhante peditório de amor daquela mulher prostrada de joelhos a seus pés, louco de vontade de mandá-la à merda, acabava vencido, falando compungido, num sussurro quase inaudível, o que ela tanto desejava escutar.

Claro que ela era de uma lindeza absoluta, divina, maravilhosa, aquela mulher tão bela quanto insegura, demasiado e sofridamente plena de uma insegurança que não tinha nenhuma razão de ser, de existir. Havia nela, corroendo-a feito um ácido, uma tamanha descrença do quanto podia ser amada de um jeito imenso e por isso mesmo teimava em insistir na amorosa pergunta pelas horas todas de cada dia que passavam juntos, chegando até quase enlouquecer aquele homem a quem, talvez, supostamente confessava obsessivamente amar. Para ela, apesar de bela, de uma esplendorosa boniteza, que chegava a assustar os homens que dela se aproximavam. Uma fêmea que ainda acreditava, igual a tantas outras, ser o homem capaz de separar, em dois compartimentos distintos, o amor do sexo, qual um açougueiro separa o acém da chã-de-dentro. Como se cada homem cultivasse o sentimento em um lado do cérebro e o desejo em outro.

Para ela, a única e verdadeira dimensão do amor não passava da extremada atração erótica que o seu corpo, de linhas sinuosas, esculturais, era capaz de exercer sobre outro corpo. Portanto, ela insistia em fazer do compulsivo inquisitorial amoroso um verdadeiro ritual e infindo. Enquanto ele, a quem o poderoso desejo por ela o dominava, tirânico, anulava quaisquer outros desejos, outros impulsos e o impedia de atrair-se por outras mulheres, a ela oferecia esse eterno sacrifício do interminável responder afirmativamente, balançando a cabeça para cima e para baixo que nem uma lagartixa presa numa armadilha de onde a fuga tornava-se impossível. O pior é que ele a amava de verdade com todas as fibras do corpo e atormentava-o esse sofrer incessante da mulher a quem amava como a nenhuma antes ou depois dela. E a cada instante, dela se irradiava um desejo maciço e permanente que o transformava em algoz e vítima ao mesmo tempo. Aquela mulher era o seu céu e o seu inferno.

À rua já quase não mais se arriscavam a sair juntos, sequer um inocente passeio de mãos dadas como fazem os casais de namorados, para evitar despertar o feroz constrangimento que causavam nas pessoas, que demonstravam claramente sentir-se alvo de um profundo incômodo ou simplesmente pura inveja por presenciarem o que consideravam um exibicionismo público de paixão desmedida, que chegava a parecer uma imoralidade ao olhar alheio. Um dia, tudo acabou. As histórias de amor costumam terminar assim, com um fim súbito, inesperado, sem razão clara, definitiva. Apenas acabam, sem mistério, sem segredo, sem tragédia. O amor é tão frágil, tão fácil de acabar, o amor. Que interessa saber se os dois se separaram mesmo, se permanecem juntos? A curiosidade matou o gato. Não, nada de perguntinhas indiscretas. Nem eu, que escrevi a história, conheço seu final. Os personagens têm direito à sua privacidade. Outrossim, o autor que os cria, que os escreve, não.

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