Na semana que se foi, este suburbano escrevinhador cumpriu a contento, com distinção e louvor, embora com uma má vontade explícita a se refletir claramente em meu rosto, o obrigatório dever de ir ao médico. Já que tinha de ir, pois já era mais do que chegada a hora indesejada de me encontrar cara a cara com meu esculápio, eu fui. De que me adiantava adiar, inventando as mil desculpas manjadíssimas de sempre a devida visitinha? Pois então, existem coisas na vida das quais torna-se impossível esquivar-se, evitar, fingir que podem ficar para depois, porque as nossas dívidas só deixam de nos atubibar o juízo após devidamente pagas. Poucos são aqueles viventes que vão ao médico por livre e espontânea vontade, mesmo sendo sortudos possuidores de uma saúde de jumento premiado, que não sentem sequer uma prosaica dor na unha do dedo mindinho.
Sim, quem pode negar, em sã consciência, existir uma rara espécie de humana criatura que vai ao médico possuída pelo mesmo espírito alegre com que os boêmios batem o ponto diário em seus botecos prediletos. Algumas delas, para profundo espanto meu, não se contentam somente com a ida regular ao clínico geral. Não é o bastante para inteiramente satisfazê-las. Quase movidas por certa obsessão, só se dão por saciadas após frequentarem, uma empós a outra, todas as especialidades hipocráticas criadas pelo desenvolvimento das artes hipocráticas. Desejam compulsivamente obter prova após prova a certeza e a segurança de que em seu corpo e em sua mente não viceja nenhum resquício, nenhum rastro de uma talvez possível, esconsa doença.
Submetem-se, com prazer inenarrável, a todos os tipos de exames clínicos imagináveis e existentes na moderna medicina, desde um simples exame de fezes à cintilografia. Concluídas todas as investigações laboratoriais, inclusive as completamente dispensáveis, adoram sair por aí exibindo à guisa de valioso troféu a grandiosa batelada de exames realizados com a face banhada por um clarão de indisfarçáveis orgulho e euforia. Por mais incrível que pareça, tais figuras viciadas em frequentar consultórios só costumam falar sobre enfermidades, sendo as mais raras o seu assunto preferido. Resultado: previsivelmente acabam estragando qualquer conversa e enchendo o saco dos familiares e dos amigos, pois não conseguem falara respeito de outro tema.
Posso estar emitindo uma opinião mais equivocada do que previsão climática de certos profetas da chuva. Entanto, penso que tais personagens padecem de um medo fóbico da morte e acreditam que indo ao médico mais do que o verdadeiramente necessário, se colocam compulsoriamente a salvo do inevitável alcance da Belle Dame Sans merci. Para encurtar a história, que isso não é conversa pra fazer leitor dormir, fui ao médico, levando os papéis de praxe. Para meu alívio, o Doutor Carlos Roberto Vasconcelos, velho e querido amigo, disse que o câncer que me atacou solertemente o fígado não deu sinal de vida, deixando-me em paz pelo menos por enquanto. Falo por enquanto, porque com câncer não se brinca e ninguém pode se considerar plenamente seguro de que não virá a ser vítima de um novo assalto do temido caranguejo. Mas preciso engordar uns quilinhos e seguir à risca o tratamento. Notícia ruim: continuo terminantemente proibido de beber. Que importa? Viver é tão bom.
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