quarta-feira, 29 de junho de 2011

Airton Monte - Canção antiga - 23 Junho 2011

Genial crônica!!!!! perfeita!!!

É meia–noite em ponto. Assim me diz, pontual feito o Big Ben da Loura Albion, o grande relógio oval dependurado no alto da parede branco-azulada do quarto, os negros ponteiros cruzados um sobre o outro, entrelaçados como num abraço. E mesmo sem querer acreditar que as horas passaram tão rápidas em sua noturna jornada, a única coisa que me resta fazer, mesmo contra minha vontade, é ter de simplesmente acreditar no que meus cansados olhos veem. Quem de nós, a pergunta tola, néscia me vem à mente, vai se arriscar, em sã consciência, a encetar uma perdida briga contra o tempo? Apesar do oscilante movimento do pequeno pêndulo do relógio, o tempo não brinca de vai-e-vem. Apenas segue em frente, impassível, imperturbável, insensível com tudo que vai deixando para trás em sua marcha de eterno andarilho. Não faz curvas nem desvios de rota, pois caminha no rumo da venta, seguindo as trilhas imprevisíveis do que, por falta de nome mais suave, chamamos de amanhã ou de futuro.

É. Pois é. Tal e qual está escrito na bela canção de Gonzaguinha, tantas vezes por mim ouvida em tantos momentos de minha passagem por este mundo velho sem porteiras: “Vida, vamos nós e não estamos sós”. Será essa uma lídima verdade? Em certas ocasiões, chego a duvidar das palavras do poeta. Bem podemos não estar sós por todo o tempo, mas aqui e ali, quem sabe? Pronto, cá estou novamente a falar de solidão paulificantemente repetitivo feito um disco arranhado. Que nem eu fosse um pobre coitado de um solitário profissional. Basta um ligeiro descuido, por um instante que for, e o tema começa a pingar da ponta da caneta qual um fiozinho d’água de uma torneira quebrada, um cricrilar irritante de um grilo escondido debaixo da escuridão da cama. Meia Noite. A Hora Grande, mãe de todos os medos e inquietações, em que todos nós viramos crianças amedrontadas, com vontade de chamar pela mãe, para que ela acaricie suavemente a nossa face afastando nossos pavores noturnos para bem longe e nos faça adormecer com as cantigas de ninar da infância.

Meia Noite. Lua cris. Até parece que vejo fantasmas povoando o escuro. Mas são fantasminhas camaradas, de longa e íntima convivência, perfumados de jasmins. Dos jasmins inesquecíveis que minha vó plantava em seu pequeno jardim da casa modesta de uma ruazinha suburbana. É Meia Noite e escrevo solitário, mas não tanto que chegue a roubar-me a calma e essa ingênua pacificação dos sentidos que julgamos duradoura. Na verdade, eu sempre senti-me tão só que findei por habituar-me à solidão como quem se habitua com o calor do sol e a luz de uma estela que nos acompanha existir afora. Para mim, a solidão nunca foi motivo de drama, de tragédia nem sinônimo da impossibilidade de conviver com meus semelhantes. A solidão, aprendi cedo, é uma vestimenta que eu ponho e dispo quando me dá vontade. Porém, tomo meus cuidados ao vesti-la para que não corra risco dela grudar-se no meu corpo definitivamente como uma segunda pele. Solidão é roupa de passeio, não para se usar em casa, rotineiramente.

Que saudades de meu pai que, a esta hora, deve andar bebendo, jogando conversa fora com amigos nos etéreos botequins dos Campos do Além. Também me bate um impulso de telefonar para o bom amigo Erle Rodrigues e trocar algumas poucas, mas agradáveis palavras. Infelizmente, ele não faz parte do insone Clube dos Corujas e fico com receio de incomodá-lo. Afinal, passa de meia noite, a madrugada saiu dos cueiros. O Erle, naturalmente, deve restar no mais completo, merecido repouso do sétimo sono. E, aqui entre nós, que direito tenho eu de incomodar os amigos a esta hora tardia? Sim, estou sozinho no alpendre do quintal, vigiando o voar das mariposas em torno das lâmpadas dos postes, ouvindo Miles Davis. E daí? Estou crescido, um sujeitinho de sessenta e dois anos e todo o resto da vida pela frente. Neste momento, nada disso tem importância. Começo a tecer novas palavras enquanto a noite prossegue. Um dos demônios que me habita aconselha-me que me embriague. Saída muito fácil. Prefiro encarar a solidão de frente que nem um sapo engolindo um cigarro aceso.



Nenhum comentário:

Postar um comentário