quinta-feira, 30 de junho de 2011

Airton Monte - Banca de Revista - 29 Junho 2011

Airton Monte - Banca de Revista - 29 Junho 2011


Claro é para mim, mesmo carregando uma eterna e edipiana culpa, sou daqueles raros filhos que confessam, com um certo pejo, haver amado muito mais o autor dos meus dias do que a minha santa e doce genitora. Talvez pelo fato das abalizadas opiniões familiares, desde a minha vó até minha irmã mais nova, ser dotado pela herança genética de uma personalidade demasiado semelhante à do maior filósofo já produzido pelo lírico território do Benfica. Apesar de vivermos nos atritando em infindáveis conflitos pela vida afora, havia uma poderosa identificação entre nós dois. Tínhamos os mesmos gostos musicais, literários, o mesmo apaixonado amor pelo futebol, o mesmo prazer em contar e ouvir histórias, a mesma alegria de compartilhar a companhia dos amigos nas rodinhas dos bares, a mesma fascinação pelo cinema, o mesmo temperamento explosivo quando pisavam nos nossos calos, o mesmo humor ciclotímico, a mesma paixão pelo mar, a mesma insaciável curiosidade pelos diversos personagens que faziam e fazem parte da história de nossa cidade.

E no longo e aventuresco capítulo das mulheres nem é bom falar, para não despertar os irascíveis ciúmes de minha amantíssima esposa. E por uma estranha e feliz coincidência, meu pai dedicava a meu avô o mesmo amor ambíguo e intenso que eu a ele igualmente dedicava. Por falta de encontrar uma melhor definição de tal fenômeno amoroso, diria que meu pai e eu partilhávamos do que chamo de coisas do sangue dos Monte. A mim me satisfaz, embora de maneira incompleta, tal simplista explicação de amar mais o pai do que a mãe e ponto final. Melhor deixar de lado, para não causar mais confusão em minha teimosa cabeçona chata, o Doutor Freud e todos os seus psicanalíticos compêndios. O afeto existente entre Dom Airton Teixeira do Monte e eu merece ser tratado como um caso à parte, que escapa à luz da razão como sói acontecer com as manias inexplicáveis do nosso coração. O que realmente importa é o que vivemos juntos enquanto ele esteve entre nós até sua viagem sem volta.

Engraçado é que, ultimamente, minha bem amada parideira dos meus desdobramentos celulares vive a me dizer, com insistente veemência, que a cada dia que se vai, vou me tornando cada vez mais parecido com meu pai. Não fisicamente, para meu inextinguível desgosto e cruel decepção. Meu pai era um homem muito bonito e eu, desgraçadamente, nasci possuidor de uma feiúra incomparável e minha triste figura só fez piorar com o passar do tempo. Estou mais para Jean Paul Belmondo do que para Alain Delon. Todavia, me considero um feio simpático, o que já é um grande consolo. Fala-me a amada que herdei de meu pai o idêntico jeito de sorrir, contar piadas, de fechar a caratonha quando estou com raiva, de ser viciado em banca de revista. Me lembro, inda menino, que todo fim de tarde era uma festa de incríveis descobertas. O pai chegava carregado de livros, jornais, magazines como O Cruzeiro, Manchete, Última Hora, o Jornal dos Esportes impresso num anêmico vermelho.

Ah, quanta poesia havia nos jornais e revistas daquele tempo. Tenho essa saudável atração por banca de revista. Vale a pena salientar que sou um comprador compulsivo. Acho legal esses tempos modernos. O que eu quiser saber sobre o que se passa no mundo está ali na banca de revista da esquina. Invariavelmente volto pra casa carregado, feito meu pai, de um alentado pacote de livros, de discos das mais variadas coleções. Além, é claro, dos indefectíveis jornais e revistas. Como só apelo pra Internet em última instância ou premido por uma inadiável necessidade, cada vez mais percebo que vou me transformando num homem feito de papel e tinta, constituído de palavras impressas, um degustador da linguagem. Diante de uma banca de revista, me sinto tal e qual um infante perdido em meio à Disneylândia. “O sol nas bancas de revista me enche de alegria e preguiça, quem lê tanta notícia?”. As bancas de revista são, sem sombra de dúvida, uma atraente espécie de fast food das ideias, um sanduíche de cultura facilmente digestível, a batatinha frita da informação.



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