Sem nenhum medo de que alguns me considerem um dinossauro, um antigão, um contumaz cultivador de um ultrapassado saudosismo, atrevo-me a lembrar da existência de outros tempos mais amenos, quando o povo vivia melhor ou pior do que hoje, não tenho plena certeza nem férrea convicção dessa minha afirmação, que logo insisto em ressalvar não ser peremptória, pois tenho cá as minhas dúvidas simplesmente por não me achar dono absoluto da verdade. Entanto, paira na minha memória remota, a doce lembrança que andar de ônibus era, em verdade, uma longa viagem numa Fortaleza ainda não entulhada de veículos, de trânsito calmo, não caótico, em que os lugares pareciam bastante distantes uns dos outros e se podia apreciar a paisagem com uma calma atualmente desconhecida pelas novas gerações, apesar do carro próprio tornar-se tão comum quanto portar um telefone celular.
Pois então. Ah, que saudade dos bons tempos da minha precoce adolescência, embalada pelas músicas dos Beatles e dos Rolling Stones, que eu sabia decorado de cor e salteado. Ouvindo-as sem parar, sem querer ia aprimorando o meu inglês capenga, ganhando pontos com as meninas por quem rápida e sucessivamente me apaixonava, muitas vezes mantendo o mais completo segredo. Principalmente ao não ser correspondido em meu amor juvenil e que eu nem sabia se era mesmo amor ou puro desejo. Ah, quão desejáveis quanto impossíveis as normalistas, sempre presentes nos meus sonhos molhados, nas estadias demoradas no banheiro, adolescentemente entregue à pecaminosa prática do vício solitário, crente de que minha vigilante mãe de nada desconfiava. O medo constante que me assaltava de ver crescerem, da noite por dia, os denunciadores pelos na palma das mãos feito um lobisomem urbano.
Recordo bem quando eu me imaginava, em minha ingenuidade e irrefreável narcisismo, ser o legítimo Marlon Brando do Benfica, eternamente vestido de camiseta e calça Levi’s pretas, justíssimas, com o intuito de realçar a musculatura adquirida na prática diária do futebol. E botas de salto alto, trazendo um canivete de mola no bolso, jamais usado. Só me faltava a motocicleta para compor à risca o idolatrado personagem. Garboso estudante do glorioso Colégio Cearense, vivia pra lá e pra cá nas jardineiras do Prado. Uma verdadeira festa dos sentidos. Tinha de tudo. A turma dos descarados pinadores ajuntados na beirada das portas, roçando nos quadris arrebitados da primeira incauta que lhes passasse ao alcance. Hoje, a gente adentra um coletivo entupido de gente, mau humor, hálito fedido, flatos e eructações. Aproveito o tempo que passo imprensado, elaborando reflexões a serem utilizadas num tratado sobre a psicologia das sardinhas que pretendo escrever um dia.
Mudando de assunto, com o advento da aids, percebo que a moçada passou a tomar mais cuidado na hora de celebrar no altar de Vênus, no que faz muito bem, prevenindo-se contra as doenças venéreas e uma indesejada barrigada. A camisinha, afinal, tornou-se um hábito de higidez e artigo de primeira necessidade que nem papel higiênico, refletia eu no coletivo. A briosa rapaziada da geração dourada desfruta dos prazeres carnais cuidadosamente protegida, embora em algumas ocasiões ocorram imperdoáveis descuidos. Entre os que têm grana sobrando, virou moda o uso de produtos importados, com direito à grife e variados sabores. Já ouvi falar que o canelau, não podendo se dar a tais luxos, apela até para saquinhos do popular Dindin ou reutiliza os borrachudos já usados. Quer dizer, seguem a velha máxima: lavou, tá limpo. Aliás, dizem, não sei se verdade é, haver sujeito criativo ganhando dinheiro recauchutando camisinha furada como se faz com os pneus. Não há como negar, a necessidade é a mãe da criatividade. E viva o povo brasileiro.
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