quinta-feira, 30 de junho de 2011

Airton Monte - Mero palavreado - 30 Junho 2011


Após tantos anos passados a mourejar diariamente neste meu cantinho de página de jornal, sei que já me tornei demasiado íntimo para aqueles que me leem com uma assiduidade até hoje um tanto quanto espantosa para mim.
Praticamente fui me tornando, para esses fiéis leitores, uma espécie de móveis e utensílios habituais em seu cotidiano. O que muito naturalmente me agrada e me dá forças e motivação necessárias para eu prosseguir levando à frente o meu suado ofício de cronista, apesar de todos os inevitáveis percalços e pesares, fazendo jus ao honesto dinheirinho que recebo no final de cada mês, garantindo assim o aluguel e a cervejinha das crianças. Ontem mesmo, recebi uma mensagem eletrônica de um jovem mancebo de apenas dezoito anos relatando-me gostar do que aqui escrevo e que, interessado em saber mais deste modesto escriba, andou pesquisando minha vida e minha “obra” no universo da Internet. Tal curiosidade partida de um jovem alegra meu curtido coração e me faz pensar que não escrevo ao vento.

Para meu gáudio, tenho leitores e leitoras de todas as idades possíveis e imagináveis, que ora me elogiam, ora me criticam com uma jovial sinceridade. Que mais pode almejar um escriba de província, possuidor de um modesto talento e um estro dos mais parcos? Também tenho a lúcida consciência de que me é impossível agradar sempre a gregos e baianos, e dou graças às volúveis musas de plantão por isso, porque acredito, como o genial Nelson Rodrigues, que toda unanimidade é de uma burrice esférica por sua própria natureza. Vou fazendo o que posso, tentando ser o mais aberto e sincero que consigo, dizendo realmente o que penso a respeito da sociedade em que vivemos, evitando tornar-me mais realista que o rei e dono absoluto da verdade. Despejo, muitas vezes sem parar para pensar com mais vagar, as muitas dúvidas e pouquíssimas certezas que me vão na alma. O mundo é vário e vasto, pleno de imperfeições, de injustiças e eu sou apenas um homem cuja arma é uma caneta, com a qual enfrento os moinhos de vento num romantismo quixotesco.

Para quem ainda não sabe, além de escrevinhar minhas “literárias” besteiras, também sou dado a cometer impunemente uns descompromissados versinhos para letrar canções geralmente feitas em parceria com amigos em mesa de bar. E, garanto que não foi por minha culpa, algumas composições de minha autoria foram até gravadas e, vez em quando, tocam na Rádio Universitária, o que me faz feliz, embora não possam falar o mesmo os incautos ouvintes. Considero-me um prosaico letrista bissexto como há escritores ocasionais, poetas circunstanciais e demais turistas das letras. Em certas ocasiões, me pergunto agoniado por que será que sou assim, um sujeito meio complicado, que tudo sei e nada sei de mim. Será que serei quem imagino que sou? Os espelhos me dizem que não, mas meu coração me diz que sou. E se sou, nada mais em mim será vão. As últimas frases acima não são, em hipótese nenhuma, autobiográficas, mas a letra de um blues que ousei intitular de “Pensando no Banheiro”.

Ao avesso do personagem da canção, sou um sujeito simples, de fácil convivência com meus semelhantes, mormente os do sexo feminino. Não paira sobre minha tosca fronde a auréola de mistério como tantos fazem questão de ostentar à guisa de suposta intelectualidade. Nada me define mais exatamente que a comezinha condição de homem suburbano, classe média aperreada, de gostos e prazeres banais. Apraz-me o trivial do bife com arroz, feijão, farofa e um ovo estrelado por cima coroando a mistura. Quanto ao dormir, tanto se me dá rede ou cama, porém vale ressaltar que uma rede branca de casal desperta-me pensamentos luxuriosos, concupiscentes. No que se refere ao de beber, quando podia, prefiro cerveja, fazendo exceção de luxo a um tinto de boa cepa, francês, italiano, espanhol, chileno. Defeitos os cultivo aos montões, apesar de quase todos serem de inofensiva pequenez, de igual quilate dos meus pecados, que de tão ínfimos, mais merecem a definição de pecadilhos. De qualidades e virtudes sou um poço raso, inclusive a minguada conta bancária. E não sou exigente nem comigo mesmo.

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