Airton Monte - Busca do sorriso perdido - 12 Abril 2011
Hoje, mal raiou, ainda escuro, o alvorecer toldado ela chuva, despertei com um mau humor daqueles. Não havia nenhum motivo para tal, pelo menos um que me aflorasse essa velha instância do psiquismo epitetada freudianamente de Consciente. Apesar de haver dormido feito um anjo um sono abençoadamente reparador, acordei de maus bofes, de cara feia, amarrada para com todos e com tudo. Penso que vocês, meus conterrâneos leitores, também já se sentiram assim, do jeito que hoje me sinto, logo ao saírem dos braços acolhedores de Morfeu. Por acaso serei eu um ciclotímico sem jamais haver percebido minha condição, uma alteração súbita, circular do movimento dos afetos? Será que os níveis cerebrais da minha serotonina baixaram de repente feito as águas das coxias desaparecem na goela escancarada dos bueiros?
Continuo a perguntar-me inutilmente de onde me surgiu tamanha irritabilidade, que me faz perder a devida tolerância com os mais próximos e os mais distantes de mim, que pode transformar a convivência comigo, ao menos por hoje, quase intolerável. Até parece que fui acometido por uma, digamos assim, tensão pré-menstrual da alma, que me desculpem o indesculpável mau gosto da metáfora. Quem sabe, eu esteja assim por causa da chuva em pleno sábado ou porque faltou luz aqui em casa. Bem sei que nada do que pertence à humana condição possa parecer estranho a qualquer um de nós. Estamos todos sujeitos ao natural flutuar das emoções mais comezinhas que nos assaltam inesperadas feito uma gripe, uma topada, uma chata e incômoda visita justamente em uma noite de domingo.
Não gosto de sentir-me como estou me sentindo, pois sou e me considero, muito embora outros tenham direito de afirmar o contrário, um sujeito bem humorado, capaz até de fazer piada com meus sofrimentos e as minhas desgraças, por piores que sejam e mais profundo me aflijam. Hoje, porém, em nada encontro motivo de graça. Perdi meu riso provisoriamente e está difícil encontrá-lo, fazer as pazes com a vida e esperar o esfumaçar das nuvens negras pousadas por enquanto em meus frágeis ombros. Com enorme esforço procuro afastar os pensamentos sombrios da mente inquieta como quem evita, a todo custo, achegar-se às más companhias, para tornar-me menos insuportável. Inclusive para minha própria pessoa. Afinal, da maneira como estou nem eu mesmo consigo aguentar-me por perto como quem amanheceu de ressaca de sua própria presença.
Busco refúgio, socorro urgente na minha inseparável amiga de todas as horas, a imaginação. Imagino-me, por exemplo, a passear de gôndola pelos canais de Veneza ao lado de uma bela moçoila de origem ucraniana por quem ensandeci de paixão incontrolável, murmurando eternas frases de amor infindo enquanto o gondoleiro entoa canções românticas. Vejo-me num boteco da beira do cais de Marselha me embriagando com vinho barato na ilustre companhia de Gauguin, que me convida para conhecer seu paraíso no Taiti. Súbito, retorno magicamente a um passado distante, inesquecível, caminhando de braços dados pelas ruas de Iracema com o poeta Antonio Girão Barroso. Eu, com o coração em festa. Ele, com um passarinho pousado em cada ombro feito um São Francisco urbano. Pronto. Eis-me de volta ao presente escrevendo estas palavras aparentemente sem nexo com um sorriso estampado no rosto.
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