P-e-r-f-e-i-t-a !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Airton Monte - O Sentinela - 8 Junho 2011
Sábado. Tarde bochornal, abafada, o calor me faz irritadiço. A rara brisa, que por vezes sopra, não exala um hálito de alívio, mas um bafio que mais parece vir dos quintos dos infernos. Caminho lentamente pelo ardente espaço do quintal, cercado de altos muros feito um prisioneiro pelo pátio de um presídio. Estou sozinho em casa. Todos saíram como se abandonassem um barco prestes ao naufrágio. Telefones mudos. Nenhuma voz amiga à minha procura. Estou tão sem vontade de fazer nada, tão sem ânimo que nem sequer tive coragem de soltar meus cachorros, presos no oitão, para ter um pouco de companhia. Beber não posso. Fumar não posso. Dantes, quando me eram permitidos, tais pequenos prazeres ajudavam-me a preencher o vazio da solidão de uma tarde chocha, morna, chata igual a essa em que me encontro mergulhado agora. E que demora uma eternidade para passar, como se pretendesse durar para sempre. Incômoda visitante que se recusa a ir embora e dela torna-me um inquilino.
Pego um livro e logo o devolvo às estantes. Objeto inútil o disco que seguro entre as mãos. Nem me dei ao trabalho de olhar-lhe a capa. Devoro um punhado de chocolates para ver se adocico o tédio acre que me amarga a alma. Ouço vozes na calçada, os passos dos passantes que não param diante do meu portão e seguem em frente o seu percurso. Quem sabe onde vão? Mas sei que eu não vou a lugar nenhum. Estou preso a essa cadeira e a essa mesa já desgastada pelo tempo, cujo verniz vai se apagando pouco a pouco qual o brilho dos meus olhos baços de um solitário provisório e circunstancial. Mesmo assim, um solitário. Folheio, sem muita paciência, os jornais do dia. Nenhuma notícia me interessa e os ponho de lado antes de jogá-los na lata do lixo. A televisão permanece desligada, o controle remoto jazendo sobre as almofadas coloridas do sofá da sala. O radinho de pilha enterrado na gaveta da mesinha de cabeceira. O quarto com as janelas fechadas e cortinas cerradas.
Espio no relógio de pulso o vagaroso, lento, lerdo marchar dos preguiçosos ponteiros. Nada de novo aconteceu ou acontece até este momento. Parece-me que o inesperado esqueceu de bater o ponto. Nem bons, nem maus augúrios à vista. Tudo está parado, imóvel à minha volta. Ninguém com quem conversar, jogar palavras fora, a não ser eu mesmo. E hoje, sinto-me uma péssima companhia. Resta conformar-me com a situação como quem se conforma com um resfriado. Nem a asma quis me dar o desprazer de sua desconfortável presença. Três horas da tarde. E eu me pergunto impaciente: ainda? Ah, que vontade de comer pipocas na fila de um cinema, de sentar num banco em frente ao mar, de bermudão e camiseta, admirando o balouçar malemolente dos quadris da brotolândia em flor, limpando a vista. Ah, como seria bom se eu estivesse em Paris, bebendo vinho, de mãos dadas com uma bela siciliana a me jurar amor eterno entre suspiros e sussurros. Mas a Parquelândia não é Paris nem há uma siciliana apaixonada do meu lado.
Um avião atravessa o céu de ponta a ponta. Do bar da esquina chega-me o som de uma batucada e de risadas. Bem que eu podia ir até lá e misturar-me aos que se divertem animadamente, tomando seu merecido porre sabatino, anestesiando as aflições do cotidiano. E essa angústia solerte, aparentemente sem razão de ser, a pulsar dentro de mim, com que anestésico sedá-la? Se beber já não posso até atingir um bendito esquecimento. Sim, tenho cá o meu sortimento de palavras. Entanto, há momentos em que palavras só não bastam. As palavras também possuem a sua cota de completa inutilidade, por vezes. As palavras também têm direito a seu dia de folga. Impossível confiar cegamente nas musas, que são volúveis como as sereias e as mulheres lindas, afora aquelas que habitam nossos sonhos. Olho novamente o relógio. Quatro horas da tarde. Nada de novo acontece. Os telefones insistem em sua mudez de estátua. E eu aqui, acorrentado a uma mesa e a uma cadeira, vigiando o inefável. À espera de quê, meu Deus, de quê?
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