Airton Monte - grande mestre da literatura cearense contemporânea- basta ler a crônica que segue para contatar.
O DIA DA SORTE - 19 ABRIL 2011
Escrevo estas mal traçadas no Dia da Sorte, 15 de abril, sexta-feira. Por via das dúvidas, sem muito pensar na racionalidade ou irracionalidade do meu gesto, entro na primeira casa lotérica e faço a minha fezinha de sempre, jogando os mesmos números em que arrisco costumeiramente há não sei quantos anos. Afinal, está em jogo no cassino do Governo uma espantosa fortuna de cinquenta milhões de reais. Sei lá, vai ver que fujo dos meus hábitos de jogador e acabo entrando por um solene cano, perdendo a chance de tornar-me milionário da noite pro dia. Acho que seria muito provável que, se esquecesse de marcar minhas dezenas e elas dessem na cabeça, findaria pingando o ponto final na existência com um tiro na cabeça, tomado pelo desespero e desencanto.
Outro dia, li a história de um cidadão da Loira Albion que passou trinta anos jogando os mesmos números na loteria britânica. De tanto insistir, persistir, não desistir da jogatina findou por faturar o grande prêmio finalmente, vendo recompensada a sua bendita teimosia. Tinha aproximadamente a mesma idade que eu e agora anda por aí, feliz que nem pinto no lixo, a desfrutar a preciosa grana com que o acaso lhe presenteou. Como vou saber se o que aconteceu com ele também não acontece comigo? Mal nenhum me faria amanhecer montado em uma grandiosa bolada, mais cheio de dinheiro do que poderia gastar pelo resto da existência. Ah, que felicidade inenarrável seria viver sem as contínuas preocupações da falta perene de dinheiro e suas pequenas e grandes aflições.
Quem pertence à classe média aperreada, sobrevive na monetária corda bamba, sem a proteção benfazeja de uma rede salvadora que possa aparar-lhe uma queda inesperada, antes de esborrachar-se no duro chão do picadeiro. Nesses casos, portanto, reza o bom senso ser melhor prevenir do que remediar o irremediável. Quer dizer, acertar na sorte grande e por um maldito descuido, ganhar e não levar. Bem para longe de mim se mantenha tamanho desengano, tal indesculpável desencanto. Assim, com os cartões devidamente registrados, encontro-me satisfatoriamente posto em sossego, esperando, com certa ansiedade, a hora do sorteio. Minhas ilusões estão preservadas, guardadas em local seguro, quer o destino me sorria ou me faça cair das nuvens. O que houver de ser, será. Porque o que do homem é, o bicho não come.
Evidente que sou sabedor que a sorte trata-se de uma poderosa força que determina, impõe suas regras a tudo que acontece, causada pelo acaso das circunstâncias ou até por uma suposta predestinação do indivíduo por ela agraciado. A sorte nos sorri quando menos esperamos, de maneira fortuita. Nada de considerar-me um sujeito de sorte cotó, pois estaria sendo injusto com as venturas que me foram proporcionadas durante meu existir. Claro que a boa estrela por vezes me deixou na mão, porém não se pode ganhar tudo todo o tempo. Por isso, não me considero um rebenqueado da fortuna. Já viajei para Pasárgada, onde fui íntimo amigo do rei e tive as moçoilas que quis nas camas que escolhi. Já escapei de poucas e boas. Já ganhei e perdi vezes sem conta. Tenho uma mulher que me ama, que me deu os filhos que desejei. O que mais posso pedir a Deus além de suas bênçãos? Mas que 50 milhões, Senhor, que bem-vindos seriam, se não for pedir muito.
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