sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Airton Monte - Vida. minha vida - 7 de Outubro 2011

Puxa vida que crônica bem escrita !!


Claro que a vida é boa, embora tenha lá a sua cota de inevitáveis percalços e nos dê, como um capoeirista mal humorado, uma ou outra rasteira e nos faça beijar o chão, meio nocauteados, quando menos esperamos. Mas com um pouco ou um muito de esforço, usando nossas reservas de resistência, que por ocasiões imaginamos esgotadas, vemos que somos capazes de nos erguer da lona antes de soar o gongo anunciando o fim da luta. Lamúrias, choramingos são mui naturalmente comuns, pois afinal ninguém é forte o suficiente nem fraco o bastante para jogar a toalha no centro do ringue desistindo de continuar lutando, aceitando a derrota como se ela estivesse escrita nas estelas. Nada disso. Nessas horas o melhor a fazer é exilar os pensamentos derrotistas, banindo-os para o mais longe possível da mente atordoada, porque acredito que nenhuma derrota pode ser considerada definitiva, pronta, acabada. Não somos invencíveis, mas por outro lado, também não somos uns eternos perdedores.

Há quem passe avida se queixando dela num chororô sem fim feito um menino a quem botaram de castigo. Não nasci com tal pessimista vocação para a amargura, porque aprendi nos meus sessenta e dois anos de janela que depois da tempestade sempre vem a ambulância com a sirene ligada a todo vapor, nos trazendo o ansiado socorro. Olho o relógio. As duas horas da tarde chegaram e até há pouco mal amanhecia. Pois é. Nada como o tempo para passar, leve, rápido, sorrateiro que nem um batedor de carteira. Por incrível que pareça, em meio à selvageria que nos cerca e atormenta no cotidiano da cidade, chego mesmo a sentir uma certa saudade dos lunfas que tinham ojeriza a atacar com violência desmedida as suas descuidadas vítimas. Pensando bem, sinto saudades de tantas coisas do passado que me custa enumerá-las. O diabo é que ninguém vive do que passou. O que passou está passado e na maioria das vezes, expele um odor insuportável de mofo. A gente vive é do aqui e do agora, sem mistificações.

O domingo estaria perfeito, não fosse a ausência, apesar de provisória, dos entes que amo. Depois do almoço, foram todos ao cinema assistir a uma película da moda. No que, aliás, fizeram muito bem. Os domingos não foram feitos para se restar trancado em casa, perdendo um precioso tempo dormindo a tarde inteira ou sentado diante da televisão como se mergulhado num transe hipnótico. Domingos são para espairecer, divertir-se como bem quiser e puder, esquecendo benditamente as paulificantes preocupações do dia a dia. Aos domingos, só ficam em casa, acorrentados ao trabalho, os pobres cronistas, ocupados em caçar palavras. Porém, o que se há de fazer, senão cumprir laboriosamente a minha sina? Todavia, não me queixo nem direito tenho de fazê-lo. Essa foi a vida que escolhi ou por ela fui escolhido por minha própria vontade ou à minha revelia.

No meu quintal, a natureza, generosa como nem sempre, me oferece uma brisa mansa, agradável, enquanto a claridade solar se reflete incandescente, cegante no alumínio do portão. Ao meu lado, da vitrolinha digital sai a voz baixinha de João Gilberto cantando eternos clássicos da Bossa Nova que não me canso de ouvir, enlevado de deleite. Ah, que saudosa falta me faz uma cerveja de verdade, uma garrafa de vinho do Porto, uma cachaça de cabeça. Contudo, os médicos que de mim cuidam afirmam em coro e peremptoriamente que eu já bebi a minha cota e devo permanecer insossamente abstêmio se quiser viver por mais alguns verões. Quando me bate um discreto desencanto, dou de pensar se vale mesmo a pena viver mais com menos prazeres. Porém, essa ideia fugidia logo desaparece-me da mente e mato a vontade da boemia sorvendo uma insípida cervejinha sem álcool. Aumento o som, leio um poema e a felicidade volta a bater à minha porta.


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