Airton Monte - Falando sério - 11 de Outubro de 2011
Por volta das sete da manhã de um domingo, que oscila entre o claro e o escuro, com o sol brincando de esconde-esconde com as nuvens de chuvosa aparência, sou subitamente despertado pela zoeira infernal do espoucar de fogos de artifício. Irritado, enraivecido, entre imprecações e impropérios, eu me pergunto que tipo de quadrúpede, de besta quadrada cisma de soltar rojões e bombas tão cedo da matina. Estará festejando a incômoda descoberta de sua própria e irretorquível imbecilidade, roubando o sossego alheio? Ergo-me do leito ainda de olhos sonolentos, estremunhados, procurando atarantado os meus chinelos. Como o foguetório me parece ter uma duração incessante, o melhor a fazer é desistir de vez do conforto dos lençóis, mesmo a contragosto, e ir cuidar das minhas abluções matinais antes da hora. E preparar-me devidamente para encarar o dia que já começou adiantado.
Adentrado nas velhuscas biqueiras dos meus sessenta e dois verões, começo a concordar com o que pensa o jornalista e escritor Lustosa da Costa a respeito do tal de envelhecer. Durante a última vez em que nos encontramos, faz algum tempo, no restaurante do Ideal, me dizia o grande Lustosão, enquanto bebericava o costumeiro uísque, que não havia vantagem alguma em se ir ficando mais velho, a não ser uma acirrada, incontida impaciência em perder o nosso cada vez mais precioso tempo, desperdiçando-o com bobagens. Afinal, se refletirmos bem sobre o assunto, chegaremos à inevitável conclusão que já não dispomos de tanto tempo de sobra e se faz necessário dar um chega pra lá nas concessões às quais podíamos nos dar ao luxo quando éramos jovens. Enquanto desfrutamos despreocupadamente a juventude, o tempo não passa de uma abstração. E cremos que podemos deixar pra depois de amanhã o que devemos fazer hoje.
O poeta Drummond também afirmou ser a vida curta, mas a velhice longa, o que não deixa de ser uma irrefutável verdade, principalmente quando ela começa a fazer em nós o seu trabalhinho sujo e lento, pouco a pouco nos afastando de uma grande parte de nossos prazeres. A velhice é uma espécie de implacável bedel do hedonismo, a vigiar e punir nossas eventuais extravagâncias em matéria de comer e de beber. Qualquer peraltice mais ousada dificilmente permanece sem o seu respectivo castigo. Claro, meus conterrâneos leitores, que o iniciar a velhice não me tornou, por completo, um velhote rabugento, ranzinza, dedicado a encher o saco e torrar a paciência dos meus semelhantes. Tenho cá as minhas manias de quase idoso, mas que não chegam ao extremo de muito incomodar a seu ninguém e que tornem a convivência comigo um porre de cachaça barata. Felizmente, percebo que minha presença ainda agrada a muita gente sem que eu me esforce demasiado para tal. Ainda bem, diz meu coração agradecido.
Permaneço sempre aberto a novas experiências existenciais, desde que não sejam abusivamente radicais e de mim venham a exigir uma tolerância que não mais tenho nem pretendo ter daqui pra frente. Acampar em praias longínquas, desertas, em rincões inóspitos, sem o conforto que mereço, nem pensar sequer. Passar uns dias ecológicos em paisagens ignotas, entre besouros e mosquitos, passo batido. Posso até fazer uma sacrificada exceção, porém somente com a aprazível condição da Patrícia Poeta assim me pedir de joelhos para fazer-lhe companhia, me prometendo, em doce compensação, a carnal satisfação dos meus libidinosos desejos. No mais, sou dado a frequentar os mesmos restaurantes, os mesmos botecos, os mesmos amigos. Tirante mulher, coisas novas só encaro sob recomendação de gente de minha estrita confiança. Depois dos sessenta, há pouco a perder e muito a ganhar. Um belo dia, todo homem encontra, por fim, a sua Pasárgada e o seu Waterloo.
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