Nessa tarde chocha, chata feito uma chuva indesejada, que não merece nem mesmo um soneto ruim, capenga, de pé quebrado, quanto mais um poema ensolarado de Vinícius de Moraes, vejo-me absolutamente sem nada para fazer a não ser esperar que o tempo passe em sua marcha lenta como um trabalhador cansado ou um bêbado retardatário esperam um ônibus que demora a chegar na alta madrugada. Então, eis-me ora sentado numa cadeira de balanço olhando, por ente as grades de um verde desbotado da varanda da frente, o movimento da rua onde atualmente habito. É uma rua estreita, de curto percurso, que vai da Jovita Feitosa à Avenida Bezerra de Menezes. Chama-se José de Barcelos, que no passado deve ter sido um personagem deveras importante para ter seu nome gravado numa placa azul com letras brancas, mas que ainda não tive a curiosidade de saber quem foi e o que fez nos anais de nossa alencarina história. Pouco importa, mas me vem uma vontade narcísica e ridícula de um dia vir a ser um nome de rua que nem esse, para mim, desconhecido personagem.
Um casal de jovens namorados passa diante de mim montado em suas bicicletas. O rapaz carrega, sem demonstrar esforço, uma prancha de surfe no braço esquerdo. A mocinha, até bem bonitinha, leva uma mochila cor de rosa dependurada num dos ombros. Ambos vão pedalando devagarinho, pois o amor não tem pressa, trocando lânguidos olhares lentos e demorados, alheios aos perigos habituais do trânsito, esquecidos, de tão enlevados, que podem ser colhidos a qualquer momento por um automóvel ou uma motocicleta que dobrem a esquina de modo inesperado e numa velocidade assassina. O rapazola é negro, a pele curtida pelo sal do mar e ostenta uma basta cabeleira de cantor de reggae. A moçoila é branquinha, veste uma bermuda jeans, uma blusa curta, com o umbigo de fora, o cabelo preso num rabo de cavalo quase louro. Fazem um belo par, penso comigo mesmo, e enfeitam e suavizam a rudeza do dia com a sua álacre presença.
Bem em frente à minha casa, há uma lojinha de conveniências que vende artigos variados como salgadinhos, refrigerantes, créditos para telefone celular e cópias xerox. As pessoas entram e saem de lá incessantemente, comprando essas pequenas inutilidades úteis de que todo mundo precisa de vez em quando. Até eu já usei seus préstimos e o faço com certa frequência, pois ocasionalmente sou acometido por um desejo irrefreável de comer bagulhos feito um menino na hora do recreio. Agora mesmo, uma menina de uns dez aninhos, de ar espevitado, caminha na minha calçada, passeando alegremente com seu diminuto cachorrinho, mas logo some do meu restrito campo de visão. Passa um homem jovem, carregado de pacotes, andando apressado, se liquefazendo debaixo do sol forte. O homem só olha pra frente, seguindo um rumo determinado, como se não existisse nada mais a seu redor. Suas longas pernas se movimentam feito os pistons de um motor. Um homem determinado, esse que passa à minha frente.
Cansado de minha tamanha pasmaceira, levanto-me da cadeira, vou até o portão e o abro. Desço o batente, olho mais longe para um lado e para o outro, tentando ver alguma coisa que ainda não vi. Porém, nada observo que me pareça interessante o suficiente para prender, despertar minha atenção. Iludo-me, engano-me. Nada há que eu já não tenha visto em outras tardes iguais a essa. Apenas diviso o rotineiro, o habitual, o corriqueiro acontecendo no entardecer suburbano. Trata-se apenas do idêntico cenário de sempre tal e qual um capítulo repetido de novela. Entanto, permaneço parado no portão, imóvel como um poste. Passados alguns tantos minutos, que bem poderiam ser horas, eu me pergunto o que estou fazendo ali, parado no mesmo lugar, olhando o nada, fitando o vazio, sem nenhuma ênfase no ato de olhar. Que tarde mais besta, meu Deus, que tarde mais besta. E muito mais besta sou eu que me deixo aqui parado vigiando o coisa nenhuma, o nada de interessante ou de inesperado. Fecho o portão, volto pra dentro de casa com o sentimento de quem perdeu a viagem simplesmente por não haver nenhuma viagem a fazer.
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