segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Airton Monte - Morte no banheiro - 21 de Outubro 2011



Boa Crônica !!!!

Há tanta coisa por falar, tanta coisa a dizer, tanta coisa esperando para ser escrita e, ao mesmo tempo, no que pode parecer uma contradição, tantas razões para permanecer no mais completo e supostamente sábio silêncio. E nessa sutil encruzilhada entre o pensar e o fazer, eis-me, então, encalacrado, sem atinar muito bem qual dos caminhos escolher para seguir. Portanto, hesitante, divago perdido num cipoal espesso de indecisões que a nada mais me levam do que a hesitações a que não estou habituado. Entanto, não posso ficar aqui parado na beira da calçada do dia olhando bovinamente a banda dos acontecimentos passar diante de mim como se nada tivesse a ver com isso, no estéril papel de um omisso espectador. Minha vocação não é para a inércia, mas para a ação, por menos importante que seja e em coisa alguma mude o movimento do mundo, o rodar da gigantesca engrenagem que comanda, sem que sequer nos demos conta, a nossa sorte e o nosso destino.
Estou enfiado na moldura, por vezes incompreensível, do cenário que me cerca feito um prego enferrujado numa porta quebrada, prestes a cair dos gonzos, de uma casa abandonada a um canto de um terreno baldio. Sim, uma multidão de pensamentos vadios, desencontrados povoam minha cabeça, atiçando meus neurônios, chamando-os ao trabalho como uma sirene convoca para a labuta os operários de uma fábrica que precisa produzir sem cessar um só instante. Sou um homem feito de palavras e tinta de caneta corre em minhas veias e começa a pingar nas teclas impassíveis, porém impacientes do computador. Como posso me dar ao impossível luxo de ficar de pernas pro ar, entregue ao desfrute de um saudável ócio antes de terminar a minha tarefa? Dar-se de corpo e alma aos atrativos encantos da preguiça é para quem pode porque já deve estar com a vida ganha e o boi encostado sob uma frondosa sombra, o que, evidentemente, não se trata do meu caso.

Hoje, manhã cedinho, ao tomar banho, ainda tonto de sono, descuidei-me e escorreguei perigosamente na espuma assassina do sabonete, batendo com violência inesperada a cabeça na parede. Quase apaguei por completo e vi estrelinhas faiscantes em pleno alvorecer. Demorei a levantar-me do chão frio do banheiro onde jazia estatelado. Apalpei-me por inteiro. Por sorte, escapei de um traumatismo mais grave, sem um osso quebrado. Já de pé, recuperado do susto matinal, pensei que poderia ter morrido de uma morte besta, inglória, ridícula, com a base do crânio espatifada. Isso é lá maneira e pouco honrosa de um poeta esticar as canelas? Bater as honoráveis botas dentro de um banheiro? Ah, não. Mereço um final melhor, mais trágico, mais dramático, mais espetacular do que fechar os olhos para sempre estirado ao lado de uma sentina suja. Literalmente, escapei fedendo, melhor do que morrer cheiroso.

Do pequeno acidente caseiro, felizmente, restou-me como incômoda lembrança um calombo na parte posterior do quengo e uma leve cefaleia. Pois é, o fato serviu para me mostrar, de maneira cabal, incontestável, o quanto é perigoso viver. A qualquer momento, estamos sujeitos a viajar para a velha cidade dos pés juntos. Aliás, morre-se mais caindo da cama, escorregando no banheiro do que de desastre de avião. Somos tão frágeis, tão desprotegidos em nosso deletério invólucro carnal muito mais do que ilusoriamente pensamos. Súbito, a vida nos anima com toda sua pujança e, de repente, desmoronamos feito um castelo de cartas. E pronto, tudo acaba repentinamente e viramos um resto de saudade no coração de quem nos ama. Simples assim. Sem aviso prévio na maioria das vezes. Hoje, eu poderia ter morrido praticando um ato comezinho, banal. E o que é pior, demasiado humilhante. Se bem que nenhum lugar pode ser considerado bom, apropriado para morrer. Nem jamais haverá.



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