segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Airton Monte – Crianças e crianças – 19 de Outubro 2011

Airton Monte – Crianças e crianças – 19 de Outubro 2011

É de manhã. Uma radiante quarta-feira. Doze de outubro. Feriado Nacional. Mais um no meio da semana, como reza o folgado figurino das tradições brasileiras. Todavia, para o bem ou para o mal, hoje comemora-se o Dia das Crianças. Não que os brasílicos petizes não mereçam. Afinal, convenhamos serem eles o futuro da nação. Todos eles? Sobre tal repetida, batida, manjada crença que permeia ancestralmente o imaginário popular, cantada e decantada em prosa e verso, tenho cá as minhas dúvidas e às quais ninguém dará sequer a mínima importância. O que eu sei é que muitas delas, em verdade, têm um futuro pela frente. Outras, todos nós estamos carecas de saber, já nascem sem qualquer perspectiva de sonhar com o porvir, pois a realidade vem demonstrando através dos tempos que para elas o buraco é mais embaixo. Umas possuem verdadeiramente com o que sonhar. Outras, com o passar do tempo, não terão essa felicidade, pois seus sonhos irão sendo pouco a pouco roubados, castrados pelas desigualdades e injustiças sociais.

Basta abrir os olhos quando se percorre de carro, de ônibus ou a pé a cidade e ver se aquela costumeira multidão de infantes estendendo a mão à caridade alheia nas esquinas, nos sinais de trânsito, maltrapilhas e maltratadas, possui alguma possibilidade de um futuro que seja melhor do que o dos seus pais. Isto é, quando possuem pais ou qualquer outra pessoa que os proteja e cuide. A essas crianças completamente esquecidas, abandonadas, marginalizadas, por mais que se queira ser otimista, só lhes resta a solidão das ruas, onde estabeleceram sua infeliz moradia, o anestésico das drogas e a criminalidade como único meio de sobrevivência. São os frutos da miséria e os futuros soldados do crime, destinados a engrossar a população dos presidiários e à morte precoce nas brigas de gangues, nas mãos da polícia. Para eles as festividades do Dia das Crianças passarão em branco, porque de há muito lhes foi tungada a infância, foram cruelmente forçados a se tonarem adultos antes do tempo.
 

Para mim não existe maior crime possível a ser cometido contra uma criança do que roubar-lhe a infância. E é justamente tal barbaridade que perpetramos todos os dias, sem mesmo nos apercebermos disso. Claro, partimos do princípio omisso de que somos todos inocentes e que nada temos a ver com o fato dessas crianças serem chocadas nos ovos da serpente e que, mais dia, menos dia, pagaremos caro por nossa olímpica indiferença. Pensamos naturalmente que toda a culpa é do governo, das autoridades constituídas, já que pagamos nossos impostos regular e honestamente. Além do mais, já nos enchemos de preocupação suficiente para cuidar de nossos próprios filhos e não temos a menor obrigação de tomar de conta dos filhos dos outros, tanto faz como fará se estão sendo criados feito xuxu em pé de serra, entregues a sua própria sorte e que Deus salve todos nós.
 

Nesse momento em que escrevo, a criançada sortuda brinca, se diverte, se maravilha com seus presentes caros ou modestos, mas de todo modo presentes, sob o olhar comovido e sorridente dos papais e das mamães. Em suas almas reina a alegria, a felicidade e o dia é uma grande festa. Enquanto isso, há outras crianças de olho grande pregado desejosamente nas vitrines das lojas e sabem que jamais os terão em suas mãos, a não ser dados por uma alma caridosa ou se simplesmente os roubarem, arriscando-se em perigosas aventuras. Depois, constatando a impossibilidade de possuí-los, se enchem de revolta, o ódio fervilha nos pequeninos corações. Para esquecer e aliviar suas mágoas,vão pitar seus cachimbos de crack, cheirar seus saquinhos de cola, fumar um cigarro de maconha e, depois de loucamente lombrados, unem-se em bando rapinante para atacar os transeuntes como pequenos predadores em que nós os transformamos com a nossa indiferença.




Nenhum comentário:

Postar um comentário