Rezam as mais antigas lendas, que vão sendo passadas de pai para filho, geração empós geração, que não existe homem, nesse mundo velho sem porteiras, mais louco por mulher do que os viris cearenses. Ao que parece, pelo que andei descobrindo nos jornais da terra, tal alentada fama não passa de uma invenção exagerada do alencarino imaginário popular, de conversa pra boi dormir. Segundo dados fornecidos pela fidedigna Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, somente durante o transcorrer do primeiro semestre deste ano, cerca de cento e três espécimens do chamado belo sexo foram brutalmente assassinados nesta, digamos assim, pacífica Taba de Alencar. E pelos mais variados e tolos e torpes motivos, como o ciúme, por exemplo. Quer dizer, trocando em miúdos, tais estatísticas em verdade significam que muitos homens cearenses não gostam nenhum pouco de mulher. Eles gostam mesmo é de matar mulher, abatê-las como animais de corte num cotidiano matadouro.
Ora, meus amigos, pondo a mão na consciência, havemos de convir, sem sombra de dúvida, que centro e três mulheres mortas, vítimas de homicídio, covardemente trucidadas em apenas brevíssimos seis meses, é veramente um número aterrador de crimes praticados contra o indefeso mulherio. Não tem Lei Maria da penha que dê jeito ou amenize significativamente esta terrificante, bárbara e selvagem situação. Para mim, considero liberada e aberta a temporada de caça às femininas criaturas, de alto a baixo da nossa bela e civilizada pirâmide social. As mulheres estão sendo mortas feito bichos por qualquer dá cá aquela palha. Pelo andar da mortífera carruagem, chegamos ao ponto de que qualquer macho sente-se no seu pleno direito de por um fim na vida da mulher com quem se relaciona, seja marido, amante ou um mero namorado. E como defesa do seu ato hediondo, todos findam por usar a manjada desculpa de legítima defesa da honra. Durma-se com um barulho desses.
A meu ver, na minha modesta opinião de criminologista de botequim, cento e três mulheres exterminadas em apenas cento e oitenta dias já pode ser configurado como um pequeno genocídio. Ao que parece, os homens permanecem considerando a mulher como um simples objeto de sua propriedade, com o qual podem fazer o que bem lhes der na primitiva telha. Para esses trogloditas, mulher passa longe de ser gente igual a eles, inexiste como cidadã e como pessoa. Servem unicamente para satisfazer os seus desejos e prazeres, mesmo os mais estapafúrdios e sem razão de ser. Como por um decreto natural, as mulheres lhes devem uma tirânica obediência absoluta e ai daquela que ousar desobedecer as regras que lhe são impostas, ousar seguir o seu próprio caminho, tornar-se dona de seu nariz. Impiedosamente são sumariamente condenadas à morte sem direito de apelação e de defesa.
Que país é esse em que vivemos, onde os homens se arvoram em juiz e carrasco ao mesmo tempo? Cá por mim, jamais entrou na minha cabeça a paleolítica ideia de que a honra de um homem esteja entre as pernas de uma mulher. Da mesma maneira que sou incapaz de acreditar na veracidade de matar ou morrer por amor. Por amor não se morre nem se mata. Por amor se vive e se deixa viver. Sim, o amor, por vezes, transforma-se de uma bênção em uma maldição da vida. E daí? Se fomos feitos para amar e ser amados? Sim, o amor pode virar ódio e um ódio feroz e inextinguível. Eu mesmo já fui vítima dessa imprevisível mutação de sentimentos. Traímos e somos traídos, amamos e deixamos de amar certa pessoa. Será mesmo o ciúme o tempero do amor? Não sei, pois o amor encontra-se além da minha humana compreensão. Entanto, se não tomarmos rapidamente as devidas providências, dentro em breve o mais belo animal da criação divina estará certamente em vias de extinção. E que coisa mais sem graça será um mundo sem mulher.
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