Quem há de negar que beijar é tão bom? Não, não estou falando apenas simplesmente do beijo corriqueiro, muito embora carregado de gratificante afetividade, que se dá na face dos filhos, das pessoas queridas, dos amigos mais chegados. Beijos desse tipo são uma lídima expressão do nosso querer bem, do nosso carinho, do nosso afeto pelas pessoas de quem gostamos. Por mais estranho que possa parecer, existe gente que sente uma enorme dificuldade de demonstrar seus sentimentos do gostar através do beijo e que, no máximo, são capazes de esboçar um tímido abraço, geralmente de modo rápido como se tivesse medo de que o tocar, o estreitar num mero amplexo o corpo de outrem lhe provocasse queimaduras de terceiro grau. Essas pessoas são assim, agem assim porque assim foram criadas por outras gentes que consideram os gestos carinhosos como sinais cabais de fraqueza, principalmente se pertencem ao sexo masculino.
Todavia, não é desta espécie comum de ósculo que estou falando, e, sim, do beijo na boca, do atrevido e impetuoso beijo de língua com toda a intensa carga de sensualidade e sexualidade que ele carrega no seu molhado bojo. O grande Nelson Rodrigues, talvez o maior e melhor frasista de nossa literatura pátria, costumava dizer, daquele seu modo ironicamente genial, que o beijo na boca era mais íntimo do que a própria relação sexual. E tenho cá as minhas dúvidas se ele não estava coberto de razão. Já li, em antigos alfarrábios de antropologia, que foi uma fêmea troglodita quem inventou o beijo na boca. Nossos primevos antepassados tinham o hábito de celebrar no altar de Vênus à moda dos animais, com a fêmea posta de quatro e o macho a possuindo nessa posição de submissão, usando de uma certa violência e numa rapidez de coelho em lua de mel.
Pois muito bem. Até que um belo dia, na escuridão da caverna ou, quem sabe, em plena luz da savana, uma fêmea mais sabida, mais esperta, movida por algum bendito, desconhecido e inovador instinto, cansada da mesmice, deitou-se de costas, na popular posição sexual chamada pelo vulgo de “papai-mamãe”. E assim, pela primeira vez no decorrer da história da humanidade, um macho e uma fêmea copularam de frente, se olhando nos olhos, rosto roçando rosto e daí nasceu o primeiro beijo na boca em nossa humana espécie. Penso que nem a serpente da bíblica história de Adão e Eva foi capaz de detonar uma tamanha revolução sexual em nossos costumes. Só mesmo uma mulher, com toda a sua inventividade e malícia no doce praticar dos prazeres carnais, poderia ser capaz de com um simples movimento mudar para melhor o nosso primitivo Kama Sutra milhares de anos antes que a sabedoria indiana o inventasse.
Ah, lembro da minha primeira vez tão nitidamente, tão claramente como se fosse hoje, para não fugir ao jargão antigo. Foi bem no início da adolescência que aconteceu comigo o que eu só via nas telas dos cinemas ou espiando furtivamente os casais de namorados, que de tão enlevados em seus ímpetos amorosos, nem sequer se davam conta de minha presença oculta nas moitas dos jardins. Recordo que ao apertar o corpo da namoradinha de encontro ao meu e unir as nossas bocas, imersos nas ondas da volúpia, a garota pareceu desfalecer, se desmilinguir entre os meus braços trêmulos e uma poderosa onda de excitação percorreu-me o corpo num vendaval de hormônios. Mal sabia eu que havia ativado 29 músculos faciais, queimado 15 calorias, trocado 250 bactérias misturadas com nossa saliva e causado uma tempestade nos neurônios de meu sistema límbico. Ah, que santa e magnífica ignorância das mudanças metabólicas que se davam em meu corpo e em minha mente. Diante da felicidade do primeiro beijo, tudo o mais no mundo carecia de qualquer importância.
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