Ontem, no comecinho da manhã, fui ao médico, a um oftalmologista para saber o que anda acontecendo ultimamente com meus velhos e gastos olhos míopes, que já não funcionam como dantes. Parece ser uma contradição de cunho profissional, pois apesar de exercer a medicina há mais de 30 anos, laborando no sofrido e sacrificado ofício de psiquiatra, eu ainda me pelo de medo de ir ao médico, seja lá de qual especialidade for. Não sei, mas tenho quase certeza de que o que ocorre comigo costuma ocorrer também, em maior ou menor escala, com a maioria dos meus colegas de profissão. Talvez porque somente pensamos no pior quando nos aflige e incomoda algum mal, assoberbados que somos nessas ocasiões por um incontrolável acesso de pessimismo. Ou, quem sabe, para nós seja mais difícil nos colocarmos no suplicante papel de pacientes, de tão habituados que estamos a ficar sentados do outro lado da mesa dentro das sagradas paredes de um consultório.
É um comentário comum entre nós, sacerdotes de Hipócrates, não haver nesse mundo um paciente mais dificultoso de tratar do que um outro médico. Tentamos, sem nos dar conta, interferir no trabalho do colega que nos atende, darmos palpite em seu diagnóstico, nos intrometer, enfim, no tratamento por ele prescrito e recomendado. Confesso, sem nenhum resquício de pudor que sou um desses pacientes dotados de uma incomensurável chatice, principalmente porque sou em geral acometido por uma irrefreável logorréia durante todo o decorrer da consulta, quase não deixando o meu doutor falar, enchendo-lhe o saco, torrando-lhe a paciência com um turbilhão de perguntas completamente dispensáveis naquele momento. Bem sei que é a minha insuportável ansiedade que me faz agir assim, atrapalhando em demasia o trabalho do indigitado colega, tomando o seu precioso tempo como se eu fosse o seu único cliente.
Pois muito bem, meus conterrâneos leitores, estava eu dizendo que ontem fui ao oftalmologista por força e pela atual fraqueza de minha falha visão. Guardava eu, cá no meu íntimo penar, a frágil esperança de que minha visita resultasse, como tantas outras vezes, em uma simples troca de grau nas sambadas lentes do meu binóculo. E tudo se resolveria a contento, no final das contas, no balcão de uma ótica com a mera compra de um novo par de óculos. Mas que nada, vã ilusão, mais tredo engano. Para meu desencanto, fiquei infelizmente sabedor que o meu problema era muito mais grave do que eu ilusoriamente supunha. Estou com um começo de catarata, o que imediatamente fez meu agoniado coração bater mais forte, batucando dentro do meu peito feito um tamborim de escola de samba, descompassado e fora de ritmo, a boca seca e a adrenalina jorrando sem freio em minhas veias nervosas, contritas.
Pois é, estou com catarata. Isso significa que, querendo ou não querendo, vou ter de me submeter a uma cirurgia e quanto mais cedo melhor. Só de falar a terrível palavra cirurgia, para mim covardemente quase impronunciável o medo voltou a tomar conta de mim, invadiu a minha cabeça, aperreou meu juízo, me fez tremer nas bases e me tirou do sério e adeus tranquilidade. Sim, bem sei que se trata de uma operação simples, corriqueira e que geralmente não acarreta muitas complicações nem risco de morte para quem por ela é obrigado a passar. Todavia, o diabo do medo não me abandona nem por um mísero momento e o pessimismo crava suas garras em meus pensamentos desencontrados. E, se por azar, algo sair errado e o simples virar complicado? Será que meu último grau não será um cão guia e uma bengala branca? Saio do consultório com a alma pesada de aflições e de angústias. Olho para o céu e a claridade do sol e a beleza das coisas que me cercam me extasia, me devolve lentamente um pedaço da calma há pouco perdida.
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