Airton Monte – Adorador do Sol – 26 de Outubro 2011
Depois de tantos dias de líquida ameaça por parte do nosso clima temperamental, hoje amanheceu chovendo aos cântaros. Aos cântaros, não. Seria um exagero de avaliação tal afirmativa. Todavia, ao que parece, o dia irá transcorrer nesse chove não molha, nesse nem usa nem desocupa a moita. Ao contrário do meu velho amigo Antonio Maria, cronista e compositor emérito de vários clássicos do nosso cancioneiro pátrio, eu me sinto, de um certo modo, meio incompleto quando chove. Por incrível que possa parecer aos olhos de quem me lê, talvez eu seja um dos poucos, raros nordestinos que não nutre essa simpatia toda pela chuva. Principalmente nessa casa onde atualmente encosto e abrigo meus sambados ossos, porque quando as nuvens se liquefazem, caem respingos nas varandas e eu sou compulsoriamente expulso dos lugares em que mais gosto de escrever.
Nas varandas do meu tugúrio suburbano, há mais luz e claridade, o que significa uma bem-vinda bênção para meus olhos míopes e que, vez por outra, ficam um tanto quanto embaçados por conta de uma catarata iniciante. Felizmente, o sol voltou a brilhar, a dar o ar de sua graça e as cores do mundo recobram a sua indispensável nitidez. Ansiosamente espero que o tempo continue assim, pleno de limpidez para mim tão necessária e cara. Ergo o olhar para o alto e vejo que algumas nuvens brancas se intrometem pelas brechas que as escuras vão lentamente abrindo, levadas pelo vento. E já não tarde e atrasado, porque o tempo urge, as horas avançam pela manhã adentro de forma inexorável. Além do mais, tenho prazo certo para enviar a crônica do dia ao editor, meu diário e inadiável compromisso, um encontro ao qual não me é permitido faltar nem chegar atrasado. Ossos do ofício de cronista.
Ah, que venha o sol trazendo seus raios benfazejos e lá bem alto, reinando no cume dos céus, assim permaneça impávido e colosso, iluminando tudo cá embaixo, tornando esta quinta-feira belamente translúcida feito a vidraça de uma janela que acabou de ser lavada, espantando as sombras, os ventos molhados, a umidade das paredes, secando as poças d’água acumuladas no cimento do quintal e do jardim, sossegando meu agoniado coração. Lembro-me agora, exatamente agora, que quando menino do buchão, na saudosa inocência dos meus cinco anos, minha avó achou por bem levar-me a um centro espírita que costumava frequentar. Sei lá quais foram os seus motivos. Quem sabe, Dona Maroca pensasse que eu estivesse sendo vítima de algum encosto por causa do meu comportamento meio estranho. Já me tinham submetido a um psiquiatra que em mim nada de loucura detectou e que eu padecia mesmo era de uma prosaica falta de peia.
Esgotada a opção médica e como apesar das surras de criar bicho eu continuasse aprontando mil e uma peripécias, o Centro Espírita bem que poderia ser uma solução. Em lá chegando, cedo da noite, fui entregue aos cuidados do Irmão Damásio, cuja fama como poderoso médium corria de boca em boca no Benfica. Era realmente uma figura impressionante o Irmão Damásio aos meus olhos de menino. Alto, forte, pele rosada, uma vasta cabeleira branca a emoldurar-lhe a olímpica cabeça e transmitia a todos que o procuravam para um passe espiritual uma tranquilidade de monge. Levou-me para um aposento, com aparência de um consultório, fez-me sentar em uma cadeira, pediu para que eu ficasse quieto, apôs suavemente a mão em minha cabeça e após alguns minutos, afirmou que eu era um espírito velho em corpo jovem, com muitas reencarnações. Pode ser que em uma delas, eu tenha nascido no Egito dos faraós e sido um adorador do sol. E continuo sendo até hoje.
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