segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Airton Monte – Os vendedores de peixe – 24 de Outubro 2011

Airton Monte – Os vendedores de peixe – 24 de Outubro 2011

Manhã nublada. O sol, com cara de preguiça, esconde-se por trás das nuvens plúmbeas, escuras como a tristeza que vai corroendo o coração dos homens tristes que acalentam uma solidão crônica, sem remédio, cuja alma vive trancada em um inexpugnável casulo de profunda amargura e preferem permanecer afastados, isolados de tudo e de todos. Esses eremitas urbanos sofrem de uma doença, de um mal chamado desencanto e procuram dentro de seus computadores um alívio, um oásis para o seu deserto íntimo. Talvez, equivocadamente, pensem que podem e conseguem levar a existência enfiados em suas cavernas, rodeados de sombras, alheados da humana convivência. Em suas mentes, enganadamente imaginam que o mundo começa e termina ao redor do seu umbigo. São infensos ao bendito calor da amizade e, quem sabe, até mesmo dos eflúvios do amor, pois ergueram uma muralha intransponível em volta dos seus sentimentos e afetos. Pobres coitados.

Os chamo de “pobres coitados”, mas logo em seguida me arrependo do que disse, porque podem ser felizes assim, órfãos dos seus semelhantes. E por que não o seriam? Cada um vive como gosta e eu nada tenho a ver com a escolha existencial dos outros. Certamente eles dispensam os meus palpites e não vou meter o meu nariz onde nem fui chamado, pois macaco velho não mete a mão em cumbuca. Com que direito vou me arrogar a ser juiz dos outros? O melhor a fazer é deixá-los em paz e ir cuidar dos meus problemas, das minhas ansiedades e inquietações, pois essas, sim, estão sempre a merecer minha atenção e meus cuidados. Já tenho os meus instantes de solidão para exorcizar de vez em quando e não se trata de uma tarefa fácil. Sou gregário por natureza. Gosto de gente, de conhecer pessoas, de expandir o meu círculo de amizades, jamais apelando para o impessoal artifício das redes sociais, porém para o encontro pessoal, cara a cara, olhos nos olhos, frente a frente.

Quando me vejo acometido pelo desencanto com meus irmãos, que ali e ali permeia o meu existir, sigo, como um navio perdido em busca de um porto seguro em meio a uma noite sem lua segue o lume salvador de um farol, um lema gravado sabiamente num verso de Vinícius e que me diz ser a vida a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. E sempre me fez um bem danado à alma conturbada perseguir incansavelmente esse facho de esperança aceso nas palavras do poeta. Um cachorro late, gane, uiva alto numa das casas vizinhas. Vai ver está sozinho o infeliz animal. Na certa seus donos saíram e ele se percebeu, de repente, abandonado. Os animais também são criaturas de Deus e devem amargar, nesses momentos, a sua ração de solidão. Alguém muito ocupado, trabalhando pesado numa manhã de domingo, maneja sem cessar uma furadeira numa peça de metal e o zinir estridente do instrumento invade os meus ouvidos feito um enxame de abelhas enfurecidas.

É nessas horas povoadas de incômodos e irritantes ruídos, que me dá uma vontade passageira de morar em uma ilha deserta. Em legítima defesa, tranco o ouvido de fora e abro de par em par as portas do meu ouvido de dentro, usando um truque que aprendi com a experiência acumulada de anos a fio de um suburbano urbanauta. Infelizmente, tal protetor artifício não funciona contra o ataque dos paredões de som que poluem a cidade. O vendedor de peixe faz sua parada costumeira diante do meu portão, gritando o seu pregão. Dispenso a sua oferta com educada civilidade, pois respeito o seu modo de ganhar a vida honestamente. Afinal, deve ter uma família e bocas para alimentar, que nem eu. No fundo, nossos ofícios possuem uma certa semelhança. Eu igualmente vendo meu peixe cotidianamente aqui nesta página de jornal





Nenhum comentário:

Postar um comentário