A semana que passou não foi, para a minha triste figura, uma semana fácil de ser vivida. Bem sou experiente sabedor de que, em verdade, é ilusório pensar que haja semanas fáceis nem difíceis de serem vividas ou sobrevividas. Todas, como todos os dias de nossa curta existência, se alternam entre o claro e o escuro feito o amanhecer e o anoitecer. E aqui cabe muito bem o tão manjado refrão: esse constante ir e vir faz parte da condição humana a que todos nós, sem exceção alguma, estamos naturalmente sujeitos. E nem adianta reclamar, cair na mais cava depressão, debulhar-se ininterruptamente em um infindável quanto inútil rosário de lamentações. Pelo simples fato de que o destino é soberano em suas deliberações e não admite tergiversações. As coisas simplesmente acontecem e pronto: estão acontecidas quando menos esperamos aqui, alhures, algures e nenhures. A nós só nos resta tentar encará-las de frente e resolvê-las, mesmo que o medo e a raiva possam tolher um pouco as nossas ações.
Entanto, os infaustos e desagradáveis sete dias que, graças a Deus, enfim tomaram seu rumo, deixando-me finalmente em paz, indo cantar noutra freguesia, trouxeram em seu agourento bojo um punhado de aflições de todos os tamanhos. E encheram, até mais não poder, o meu pobre cotidiano das mais paulificantes preocupações. Pra começar, meu par de óculos novinho em folha quebrou-se misteriosamente e lá me vi eu tateando pela casa feito um morcego velho com o sonar em pane, perdido em meio às sombras que emanavam de meus gastos olhos míopes. E assim, cego de guia, tive que permanecer nessa miseranda situação até que uma alma caridosa(felizmente ainda as há neste mundo cruel)fizesse a caridade de levar-me à ótica mais próxima, onde fui misericordiosamente socorrido e retornei ao confortável estágio de cegueira parcial. Ah, vocês nem imaginam o quão agoniadamente desamparado resta um infeliz míope destituído de seus binóculos, a vaguear feito uma alma penada por entre um mundo feito de aparências enganosas, formas, cores e silhuetas imprecisas.
Como praticamente eu já nasci portando óculos, fui aprendendo, por dura experiência própria, à custa de muitas topadas, muitos esbarrões e de me perder nas ruas por não conseguir ler correta e claramente os dizeres das placas, que ser míope em alto grau é ser um modesto órfão da luz. Na escola, lutar diariamente, titanicamente para arrumar um lugarzinho na primeira fila e mesmo assim não conseguir enxergar quaisquer das letras escritas pela professora no maldito quadro- negro e isso por maiores e mais garrafais que fossem. Ser obrigado a ler com a cara enfiada no livro, aspirando mofo e cocô de ácaro, o que só contribuía, ao fim do dia, para que à noite eu recebesse a diária, incômoda e torturante visitinha da inseparável chiadeira. A bendita descoberta do primeiro par de óculos foi para mim, sem tirar nem por, tenho certeza, muito mais importante e maravilhosa do que a descoberta do telescópio pelo grande Galileu.
Uso óculos desde os meus tenros cinco aninhos de idade e findei por ganhar da molecada da rua o previsível apelido de “Cego Aderaldo”, epíteto que tinha a insultuosa e humilhante capacidade de me tirar do sério, de me enfurecer, deixando-me violento e furioso feito um cachorro doido, babando de ódio, disposto a atacar o primeiro desgraçado que se pusesse ao meu alcance com qualquer coisa que me viesse às mãos. Furei muito quengo de menino atrevido na base da pedrada e da baladeira. Isso sem contar a inesgotável torrente de palavrões os mais cabeludos que faziam parte indispensável do meu sortido dicionário de impropérios e nomes feios. Todavia, de nada adiantava a minha fúria nem a minha incontrolável agressividade. Era-me de todo impossível calar completamente a língua solta da infante patuleia. Depois, fui crescendo e tudo aquilo perdeu sua importância. Hoje, os meus amigos mais chegados e antigos me chamam carinhosamente de “Ceguinho”. E o pior é que eu gosto.
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