Crônica que não precisa elogios - ela se elogia por si só!!!
Airton Monte - Embriaguez - 8 de Setembro de 2011
O dia amanheceu radioso, belo como se o domingo estivesse estreando uma roupa nova feita do mais puro e límpido esplendor.Tudo ao meu redor veste-se de claridade e luz tal e qual deveriam nascer todos os domingos. Hoje é um bom dia para fugir de casa feito um menino travesso e sair passeando livre, leve e solto pela cidade atrás do inesperado que bem pode estar escondido atrás da curva da próxima esquina. Não como um ladrão, mas sob forma de um amigo com quem se pode matar as saudades e trocar conversas durantes horas perdidas. Por falar nisso, para minha triste surpresa, nenhum amigo me telefonou hoje para me dar somente boas noticias, contar-me alegres novidades. Faz-me uma falta sem par ouvir aquelas fraternas vozes que me falam direto ao coração. Todavia, não posso me queixar dessas ausências afetivas. Os amigos têm lá a sua vida própria, outros amigos também merecedores de sua atenção quanto este suburbano escriba.
No entanto, creio que já basta, já chega de entoar resmungos e queixumes, do contrário vou acabar me transformando no que não quero ser: um insuportável velhote mimado, enfezado, ranzinza e resmungão feito muitos que conheço por aí. Melhor aproveitar, em toda sua intensidade, a beleza desse dia que a natureza generosamente me ofertou. Mui principalmente porque não sei quando outro igual a esse virá bater a minha porta. E porque não sou o umbigo do mundo nem o centro do universo. Além do mais, essa minha solidão é muito mais aparente e ilusória do que propriamente real. Às vezes, é natural de mim por um pouco de exagero nas minhas emoções e sentimentos. Coisas de um incurável romântico sessentão, que ainda guarda dentro do coração um tantinho assim de meninice e um inolvidável sabor da longínqua infância. Feliz do homem que, apesar de envelhecer, jamais perde o infante moleque que o habita. Assim sou eu e assim o fui durante a existência inteira. Um Peter Pan que não virou Capitão Gancho quando ficou adulto.
Um homem pode embriagar-se de domingos? Claro que sim. Eu hoje estou liricamente embriagado do resplandecer desse domingo. Então, vem-me à lembrança um trecho de um poema de Baudelaire: “É necessário estar sempre bêbado. Tudo se reduz a isso, eis o único problema. Para não sentires o fardo horrível do tempo, que vos abate e vos faz pender para a terra, é preciso que vos embriagueis, sem cessar. De vinho, de poesia ou de virtudes, como achardes melhor. Contanto que vos embriagueis”. E como não concordar com Baudelaire nesse exato momento de deslumbramento dominical, embora eu me encontre completamente sóbrio às três horas em ponto da tarde? Mesmo sem beber uma só gota, bêbado estou com a beleza das coisas que ora me rodeiam. A meus olhos bêbados o mundo parece novo como se eu nunca o houvesse visto. A música que ouço, as palavras que leio me são desconhecidas. Menos as que escrevo.
Até minha cara no espelho me parece a cara de outro homem, sem vincos de amargura, despida das rugas de tristeza, os lábios entreabertos num sorriso, um brilho, um lume de indisfarçável alegria reluzindo no fundo das pupilas. Sem dúvida, estou bêbado desse domingo. Sinto-me tomado por uma embriaguez diferente das quais estava habituado. E com a vantagem de amanhã não despertar morrendo de ressaca, entre ânsias de vômito e de náuseas. Vontade de cantar canções antigas, de dançar boleros, de recitar poemas de uma velha crestomatia, de jogar bola no meio da rua, de comer algodão doce, de fazer amor com minha mulher, de beijar meus filhos, de confessar todos os meus pecados mortais e veniais, de rezar a Ave Maria às seis da tarde, de pensar que sou um homem bom como sempre desejei ser. E enquanto espero calmamente a noite chegar, anseio que essa minha embriaguez insólita não me abandone tão cedo para que eu consiga dormir, enfim, o sono dos justos e dos inocentes.
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