quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Airton Monte - A amiga - 16 de Setembro 2011

Outro dia, estava eu sentado na sala de espera do oftalmologista, ansiosamente esperando a minha vez, quando dou de cara com uma amiga que fazia muito tempo que eu não via. Foi uma agradável surpresa para nós dois, que sempre fomos por demais chegados nos áureos tempos em que a Praia de Iracema reinava soberana nas noites boêmias da cidade. Apesar dos muitos falatórios das más línguas, nunca houve entre nós nada mais do que uma férrea e bela amizade, que se manteve intacta até os dias de hoje, embora não nos vejamos tanto como deveríamos e merecemos, já que nossas vidas seguiram por outros caminhos onde o desencontro foi a tônica dominante. Ela casou, viajou para fora do país, perdemos nossos telefones e endereços e nunca mais nos vimos pelas encruzilhadas da vida, nos perdendo um do outro por obra e graça do destino.

Tomados pela grata surpresa, nos abraçamos e nos beijamos com aquele casto ardor das antigas e verdadeiras amizades que jamais se findam, quer nos vejamos todos os dias ou de século em século. Como nossas consultas se seguiam uma depois da outra e teríamos o resto da tarde livre de outros compromissos, combinamos de esperar um pelo outro e irmos a um barzinho qualquer matar as saudades e botar a conversa em dia. Assim prometido, assim cumprido. Saímos da clínica, procuramos um lugarzinho discreto, agradável e começamos a procura do tempo perdido. Falamos do passado e do presente, das nossas vidas, nossos trabalhos, nossos casamentos, nossos filhos. E à medida que os drinques iam se sucedendo, a conversa foi ficando mais íntima, as confissões e particulares da vida pessoal de cada um foram, naturalmente, sendo revelados sem pudor algum, pois ainda restava entre nós uma velha confiança jamais perdida.

Mesmo adentrada nos umbrais da meia idade, a amiga não perdera em quase nada a sua beleza. Permanecia uma mulher tão atraente como sempre o fora. Claro que havia feito uma plástica ou outra e era uma assídua frequentadora de academias. Em dado momento, perguntou-me sobre meu casamento e eu lhe respondi que ia tudo bem, afora a inevitável rotina de praxe que costuma acometer toda e qualquer relação de longa duração. Evidente que, vez por outra, aparecem as tentações habituais e todos nós sabemos o quão fraca é a carne, tanto para os homens quanto para as mulheres. E eu não estava disposto, a esta altura da vida, a por em risco meu casamento por um rabo de saia numa aventura ocasional. E também já havia vivido, usado e abusado da minha cota de paixões, que em termos de custo e benefício, me tinham trazido mais problemas do que prazeres.

Foi então, nesse exato instante, para meu espanto, que a minha doce amiga, com um sorriso maroto, moleque nos lábios sensuais, abriu-me de par em par as portas da alma e do coração. Revelou-me que, após haver descoberto um tumor benigno no seio direito, sentiu-se despertar para a brevidade da existência e a necessidade de desfrutar certos prazeres proibidos. Apesar de continuar amando o maridão, passou a traí-lo eventualmente o mais discretamente possível e com o indispensável sigilo. Começara a frequentar, através da internet, sites especializados em aproximar pessoas casadas, dispostas a manter ligações extraconjugais desprovidas de qualquer tipo de compromisso, de envolvimento pessoal. Era sua maneira de fugir da rotina e da monotonia dos sagrados laços do matrimônio. Ao nos despedirmos, deixei-me a pensar e desejar que a minha doce amiga haja encontrado realmente um lenitivo para a brevidade do existir e um alívio para a atenuar a descoberta da nossa angustiante finitude.


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