Tudo vai bem, tudo legal neste feriado providencial do Sete de Setembro. Pelo menos até as duas horas da tarde. De um dia que parece transcorrer pacificamente, apesar de uma ou outra surpresa um tanto quanto desagradável, porque seria até demais querer uma total tranquilidade o tempo todo. Uma casa é verdadeiramente um mundo, onde não é raro que as coisas de uso habitual de vez em quando se quebrem ou os caseiros objetos findem lá por entrar em pane, gerando aporrinhações de duração longa ou passageira. É a descarga do banheiro que entra em greve, o ferrolho do portão que se solta inesperadamente dos parafusos que o prendem, uma lâmpada que ser queima inesperadamente, o botijão de gás que se esvazia sem dar aviso prévio, a borracha da máquina de lavar que amanhece furada, partida em dois pedaços feito uma cobra dividida ao meio por um facão afiado.
Nessas horas em que campeiam essas domésticas preocupações, mais difícil do que manter-se calmo é encontrar um profissional, em pleno feriado, para resolver a aflitiva situação. Bombeiros, eletricistas, encanadores, todos os quebradores de galhos sumiram de vista, desapareceram na buraqueira como num passe de mágica e não há como encontrá-los nem por força e obra de um milagre. E a sujeitos imprestáveis como eu, totalmente desprovidos de qualquer habilidade numa dessas mecânicas atividades, incapaz até de pendurar um quadro na parede sem derrubar a própria utilizando prego e martelo, só resta esperar que o outro dia chegue para mandar providenciar os devidos e necessários reparos e consertos. Afora esses pequenos distúrbios, nada a mais no céu do que os aviões de carreira, além das brancas nuvens polvilhando o azul solar da tarde.
Sem nada o que fazer, ligo a televisão e começo a me distrair vendo um documentário, longo demais para meu gosto, sobre o tão falado e assaz comentado Caminho de São Thiago, pelo qual transitam em êxtase e em transe os verdadeiros e falsos peregrinos vindos de todos os cantos do mundo, caminhando centenas de quilômetros à procura de um suposto e peripatético nirvana, em busca de supostos conhecimentos místicos e revelações espirituais. Enquanto marcham, rumo a seu anímico destino, apoiados em rústicos cajados, todos trazem estampada nos rostos uma expressão indefinível de quem procura o pote de ouro no fim do arco-íris. Têm no coração a esperançosa certeza de que o simples ato de fazer esta caminhada os purgará de todos os pecados. Como se o Caminho de São Thiago fosse assim uma espécie de lavanderia da alma, uma cornucópia de milagres. Desse ponto de vista, o Caminho de São Thiago tem a mesma serventia mística das romarias pátrias.
A única diferença é que por lá romeiro atende pelo aristocrático apelido de peregrino. Cá por mim, não acredito no pensamento mágico de que andar até Juazeiro, Canindé ou qualquer outro santuário daqui e d’alhures possa mudar magicamente a minha existência. Também não creio que mortificar o corpo com algum tipo de sacrifício físico venha nos causar uma mais que milagrosa evolução espiritual, nos transformando de demônios em anjos da noite para o dia. Ora pílulas, andar nada mais é do que uma condição natural dos bípedes, pensantes ou não, e jamais um passaporte para alcançar a paz e a felicidade de espírito. Se o fosse, o homem feliz não seria o homem sem camisa, seria o carteiro. E o esmoler pediria esmolas dando gargalhadas de porta em porta. Entanto, o Caminho de São Thiago virou moda, “point” místico, uma estrada mágica, cujo garoto propaganda chama-se Paulo Coelho, que descobriu o que para ele foi o verdadeiro e legítimo caminho das pedras.
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