Sei que todo homem, por mais bafejado pelos ventos aprazíveis da fortuna com que seja agraciado, anda sujeito ocasionalmente a que muita coisa ruim e acontecimentos desagradáveis desabem-lhe sobre a cabeça de um modo inesperado. É inevitável. Nenhum de nós está a salvo de tais percalços, por mais que se esteja protegido por um anjo da guarda de extrema competência, dotado de asas do tamanho de um Concorde. Abrindo um pequeno parênteses, confesso que, apesar das minhas tendências a não acreditar no sobrenatural, digo-lhes que, por vezes, ao escapar de uma rasteira do destino, incólume, são e salvo, chego a crer que também tenho um anjo da guarda a me cuidar com inusitado desvelo desde que nasci. Claro que, circunstancialmente, meu quase sempre protetor alado esquece de vir bater o ponto e me deixa ao desamparo provisório, entregue aos meus próprios cuidados e à minha própria sorte e eu que me vire sozinho do jeito que puder.
Muita gente pode até achar um tanto quanto paradoxal que este escriba, que se diz um ateu confesso, seja capaz de crer nessas entidades etéreas como os anjos da guarda. Todavia, sou assim mesmo, um poço sem fundo das mais incríveis e estapafúrdias contradições. Ora digo uma coisa para no momento seguinte desdizê-la com a maior cara de pau. Em algumas ocasiões, discutindo, abordando os mais diversos assuntos, sou de uma coerência pétrea. Já em outras, demonstro uma incoerência da qual eu me espanto, após cessado o calor das tergiversações. Afinal só não muda de ideia e de opinião quem não possui nenhuma nem outra. E cuja cabeça só tem serventia para separar as orelhas. Claro que não vivo mudando de opinião o tempo inteiro como quem troca de roupa. Não alugo nem comercio, visando meus interesses pessoais, o meu pensar, pois não nasci com vocação para a hedionda prática da prostituição intelectual.
Fechando o parênteses aberto linhas acima e retomando o tema já iniciado, escrevia eu que todo homem anda sujeito a que muita coisa ruim lhe caia sobre o tampo do quengo subitamente. Entanto, meus perclaros leitores, sinceramente creio que, com toda convicção de que sou capaz, uma das piores desgraças que pode suceder a um indivíduo do sexo masculino é ver-se na terrível condição de ser obrigado a comer mal no sagrado recesso do seu lar, doce lar. Mui principalmente quando se gosta de comer não apenas para prosaicamente encher o bucho de qualquer tipo de ração alimentar, para unicamente matar a fome. Mas há aqueles, dotados de bom gosto, para quem o de comer significa um ato do mais puro prazer. Que vil desgraça e supremo infortúnio suar-se duramente a camisa na cotidiana labuta, chegar em casa com a barriga roncando e ser condenado a papar um rango escroto, com perdão da má palavra.
A maior prova de amor que uma mulher pode dar ao seu homem não é entregar-lhe a virgindade como nos tempos d’antanho. Mas saciar-lhe a fome com perita competência. Tem mulher a esquecer-se que o caminho mais curto para o coração do amado ainda é o estômago. Que me perdoem as feministas de plantão, se ainda as há. Todavia, um homem precisa nascer, crescer, viver sendo alimentado condignamente por uma mulher, desde a primeira mamada no seio materno. Isso me falava um amigo, por sinal protético de profissão, que padece do suplício de Tântalo de comer porcamente em casa. O pior é que sua doce esposinha foi educada em colégio de freiras, diplomada com louvor em prendas domésticas. Um homem mal alimentado, dizia-me ele, perde a força do homem, torna-se um fracasso nos jogos de Vênus. Certo que somos animais omnívoros, mas nem tanto. E passando fome, comendo de quentinha sua paçoquinha com banana, acaba por passar a comer em outra mesa e em outra cama.
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