Há em mim uma sensação dilacerante que parece querer me cortar em dois. Eu e eu mesmo. Eu e o outro que dentro de mim habita. Minha alma é como se fosse um espelho múltiplo como os olhos de uma mosca. Na mente uma aranha tece um pesadelo. Resta-me acordar. Acordar? Pergunto-me atarantado. Mas de que sonho? De quem será este rosto em sombras mergulhado e que meu consciente desconhece? Ah, se eu pudesse abrir todas as cortinas do meu íntimo e assim transfigurar-me, transfigurando o onírico em realidade. Esticar os véus do real e, se possível, rompê-los, rasgá-los qual se estraçalha um tecido demasiado gasto e roto. Mergulhar tão dentro do que ainda sou e ir tão fundo, despido de qualquer medo de que esse mergulho não tenha volta. Ir além, arriscar-me descendo às profundezas do meu próprio precipício. Sim, ir-me. Retornar carece de importância, apesar de tantas advertências que me faço. Ou importaria realmente voltar dessa viagem através de mim mesmo?
Bate-me um horror do cotidiano comezinho em que sou forçado a viver. Estarei ficando mais louco do que já sou? Ensandeço só porque procuro uma outra face da beleza? Lembro-me de que na UTI pareceu-me divisar, por dentre as névoas da anestesia a indescritível face da morte. Nesse instante de momentânea epifania, enfrentar o horror que me assola, os anjos e demônios lutando em meus pensamentos um tanto quanto surrealistas. Aprender a suportar ausências. Inclusive a minha. Estarei ficando louco? Novamente me pergunto envolvido nesse emaranhado confuso de idéias que me povoam a cabeça. Há toda uma explosão de sentimentos vitais saltando de minhas mãos e se transmutando numa torrente de palavras escritas quase que á minha revelia. Palavras que aparentemente vão brotando do nada, mas sei que na verdade brotam é de mim, embora num fluxo incompreensível, talvez, para quem ora me lê.
Eu, cavaleiro do inefável. Eu, viajante provisório do que agora penso ser o insondável. E nada mais poderei saber, decifrar até que esse texto finalmente se complete. Eu quero avistar a margem oculta do que penso. Achar a ponte, o caminho que tanto busco sem saber por onde ir no rumo certo. Sei que na escuridão soturna da madrugada, dessa madrugada que ora atravesso, imagino que as coisas se transfiguram e no entanto permanecem as mesmas. Este é o mundo em que habito e sobrevivo pleno de uma lucidez tamanha, embora chegue a pensar, aqui e ali, entre uma palavra e outra, eu posso estar ficando doido. Doido de pedra. Que grande besteira. Não me acometem delírios nem alucinações, continuo distinguindo claramente o real do imaginário. Dualidade. Encontro pessoal, jamais uma despedida porque não vou partir de mim mesmo, vestir outra personalidade, usar outra identidade. Permaneço sendo eu mesmo. Disso tenho a mais absoluta certeza. Ainda.
Desejo gastar esse momento de revelação até nada mais restar por revelar. Ah, eu caçador de mim, como gritam os versos da canção popular. Ousar enfrentar o vazio que inevitavelmente sobra quando tais descobertas se findam tão inexplicavelmente como começaram. É madrugada. Faz escuro, mas eu quase vejo a longe aurora que se anuncia, que virá certamente, porque não estou morto nem o mundo acabou. Ah, corpo meu de longas, lentas lutas para manter-me lúcido enquanto as sombras adejam, avoengas a meu redor. Sei que sou o meu princípio e meu fim. Eu existo em mim e me basto, apesar de me completar nos outros. Pouca gente ou ninguém será capaz de entender o que escrevo agora sem uma ordem lógica, linear. Parece não ter nenhum sentido, nenhum significado a não ser para mim. Parece longe do entendimento alheio. Porém não está. Somente quis escrever ao fluir das ideias, seguindo o bordão famoso do velho Chacrinha: eu vim para confundir e não para explicar. Aquele abraço!
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