As mulheres já não cuidam, já não tomam de conta dos homens como antigamente, por vezes, dando-lhes mimos de filho único. Essa frase me veio repentinamente à cabeça entre tantas outras que fervilhavam em minha mente, sem eu saber exatamente por que. Bem que poderia nascer do meu aperreado bestunto outra completamente diversa. Todavia, como nosso inconsciente possui lá as suas razões que nosso consciente desconhece em meio às regiões mais esconsas de nossa quase indevassável psiquê, foi essa que me escorregou pela caneta e se derramou, de súbito, na folha em branco do papel. Eu não estava no momento pensando em nada que, por um mecanismo de associação, me trouxesse à tona do pensar essa frase que até me pareceu meio boba, fora do território das minhas cogitações costumeiras. Mui simplesmente a tal frase me escapou como um ladrão que invade uma casa pela janela entreaberta, sorrateiramente feito uma sombra na calada da madrugada.
Entanto, o fato concreto é que ela chegou sem avisar e ficou boiando em meu juízo que nem um barco à deriva em águas revoltas. E chegou sem fazer alarde, sem aviso prévio como aquelas incômodas visitas que batem à nossa porta numa noite chuvosa de um domingo e não tem vassoura colocada atrás da porta, virada de cabeça pra baixo, que as faça ir embora tão cedo. A frase assim me chegou insidiosa, num adejar silencioso de ave noturna, voando em busca de uma presa. E a presa, infelizmente, era ninguém mais, ninguém menos do que eu. Aliás, para ser mais preciso, mais claro, mais exato, sou eu a caça dessa frase que me embaça, me turva as ideias, me paralisa os dedos que permanecem por ora imóveis, pousados sobre as teclas do computador, criativamente inúteis, momentaneamente desprovidos de sua função primordial de escrever um texto, por mais simples que seja.
O que posso dizer, em última instância, é que a frase foi descendo lentamente camada após camada da mente feito alguém que se debate antes de afundar tragado por redemoinhos. Outrossim, coisa rara não é que me acometam, de maneira esporádica, inexplicável à luz da razão e de uma coerência lógica, tais frases misteriosas surgidas de não sei onde, mas que não me provocam grandes incômodos nem agoniadas aflições. Apenas despertam, atiçam a minha já natural curiosidade, pois afinal, não se é psiquiatra e escritor impunemente. Em verdade, eu há muito, depois de tanto tempo no lidar praticamente cotidiano com as palavras, deveria estar acostumado a sofrer essas molecagens inofensivas da minha imaginação e aceitar um tanto quanto filosoficamente, imbuído da paciência e tolerância necessárias que uma frase é somente uma frase e acabou-se.
Acreditar, sem alimentar qualquer dúvida, que uma frase é apenas uma frase que talvez nem sequer tenha importância alguma e fim de papo. Deixar a mente livre, disponível para outros pensares muito mais frutíferos, produtivos. Não sei bem como aconteceu desse ajuntamento, que suponho aleatório, de palavras escorregar pelo tobogã dos meus neurônios qual um bando de crianças se divertindo longe do controle dos pais, numa brincadeira inocente, sem maiores consequências. Talvez seja por causa da proximidade do natal, da virada do ano, épocas em que me sinto meio desamparado, desprotegido, sentimentos capazes de me tornarem mais fácil de ser sensibilizado por essas frases que me nascem como se fossem psicografadas por um espírito de porco desocupado. Quem sabe, saudades de quando as mulheres ainda me paparicavam como se eu fosse o último homem sobre a Terra. Hoje, sou um órfão dos femininos cuidados e o que me resta é um nostálgico tédio de tudo isso.
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