Do grande Airton Monte - Tempos de Ilha !
"Olho as roupas dependuradas nos varais do quintal de casa. Bandeiras domésticas, caseiros pavilhões tremulando, balançados pelo vento do começo de tarde. Brancos, pretos, amarelos, azúis, vermelhos, lilazes formando um arremedo de arco–íris que chora pingos d’água. A secretária do lar vai e vem no varre–varre da vassoura que empunha como se fosse uma arma de um atirador de elite, na incansável luta contra a sujeira. Ergo o olhar mirando acima do muro e percebo que estou cercado por um festival de antenas parabólicas brotando dos telhados vizinhos até onde a minha vista consegue alcançar. Ouço o burburinho alegre das crianças jogando bola na rua aproveitando o vazio deixado pelos carros durante o feriado. Quão triste é um menino obrigado a ficar trancado ente quatro paredes pela insegurança da cidade e a que todos assusta sem nenhuma exceção.
Isso me faz lembrar os meus bons tempos de infância, quando Fortaleza era uma cidade pacata e suas ruas se povoavam de meninos brincando, fazendo danações e esse medo geral, que nos domina, ainda não havia sequer nascido. Lugar de menino era na vastidão das ruas, desfrutando a liberdade das calçadas, embora vez por outra, alguém arrancasse a unha do dedão do pé dando chute em bola de meia. E existiam jardins, oitões, quintais e muito verde e muita fruta nas árvores dos diminutos pomares caseiros. Apesar de uma eventual discussão por motivos banais aqui e ali, imperava uma jovial cordialidade entre vizinhos que se conheciam com certa intimidade. Hoje em dia, infelizmente, as mudanças acontecidas na urbe extinguiram, quase por completo, a inestimável figura do vizinho. Todos moram entre ilustres desconhecidos de quem sequer se sabe o nome. Foi abolido o velho ditado de que nenhum homem é uma ilha, dito e redito desde o tempo do bumba.
Em nome da privacidade acabaram com a solidariedade entre as pessoas que habitam lado a lado. Hoje nos transformamos todos em um triste amontoado de solidões e desconhecimento pessoal. Hoje só possuímos a vizinhança ilusória do universo virtual. O sujeito troca mensagens com outro sujeito residente lá nos cafundós do Judas e não troca um bom–dia com seu vizinho mais próximo. Preferimos conviver à distância, ocultos no anonimato das telas dos computadores, do que nos relacionarmos cara a cara com nossos semelhantes. Entramos e saímos de nossas casas como se embarcássemos e desembarcássemos de nossa ilhotazinha particular, com os rostos escondidos por trás das escuras películas que recobrem as janelas dos nossos carros. É hora de perguntar: afinal, de que ou de quem nos escondemos?
Hoje não passamos de um bando de ilhéus que a tudo e a todos olhamos sem ênfase, tal e qual vivêssemos em mundos paralelos em que a palavra encontro de há muito perdeu o seu significado humano, o que reduz tristemente a nossa indispensável dimensão de humanidade. Ninguém mais deseja se reconhecer no outro, encurtar a distância que nos separa do outro e que nós mesmos nos impusemos. Sim, bem sei que são características do que chamam de civilização pós- moderna, é a natureza do século XXI. Não, não era esse mundo em que sonhei viver e terminar meus dias. Um ermitão a mais em meio a uma multidão de eremitas. Eu ainda gosto de gente, de viver entre gente de carne e osso, plena de sentimentos. Sou um animal que jamais aprendeu a viver separado do bando. Aconteça o que acontecer, seja lá como for, eu nunca serei uma ilha."
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