Sinto uma enorme falta das belas cartas de amor que uma mulher desconhecida e misteriosa costumava me escrever e que apareciam, como num passe de mágica, ma minha caixa do correio. As cartas vinham envoltas em um olor de perfume e cheiravam a jasmim. A letra dela era tão bonita que chego a ter certeza de que a mão que as escrevia estudou caligrafia. Os envelopes não continham o nome da remetente e eram mandadas sempre de uma agência dos Correios situada no centro da cidade. Chegavam tão regularmente de 15 em 15 dias que foram se tornando parte da rotina e eu me habituei a recebê-las e as lia, escondido da minha mulher, com a satisfação de um amante que acalenta um amor proibido. Com pejo, confesso que as lia, altas horas da noite, trancado na solidão do banheiro feito um menino pecando solitariamente.
A cada vez que as lia, brotava em mim uma lírica comoção, não fosse eu um desses românticos irremediavelmente incuráveis que ainda se emocionam sinceramente com um gesto de ternura alheia, quanto mais vindo de uma mulher que me era e permanece sendo completamente desconhecida. Se me perguntassem qual o nome dessa mulher que me escrevia cartas de amor, eu responderia com a única verdade: não sei. Poderia, quem sabe, chamar-se Ana, Maria, Clarice, Cecília, Joana ou Sylvya com ipsilones. Foi como a batizei. Dei-lhe o fictício nome de Sylvya com ipsilones simplesmente porque jamais tive em minha vida uma namorada chamada Sylvya com ipsilones. Pensei e ainda penso, talvez por poética ingenuidade, não existir no mundo nenhuma mulher chamada Sylvya com ipsilones. A namorada que eu nunca tive e por quem sofro de saudades fantasmas até hoje.
E não ficou só nisso a caminhada da minha imaginação. Também me deu na cabeça inventar-lhe um codinome que traduzisse a distância que de mim separava a mulher que me escrevia apaixonadas cartas de amor. Portanto, passei a chamá-la simplesmente de A Mulher Ignota, a mulher que me amava pelo que eu escrevia sem sequer desconfiar que todo escritor não passa de um falso mendigo, a mão estendida pedindo uma moeda de reconhecimento. A mulher que me escrevia cartas de amor passei a chamá-la somente de A Mulher, sem mais delongas nem explicações desnecessárias, pois cartas misteriosas de amor dispensam explicações, razões plausíveis, motivos certos, pesados, medidos. Da mulher que me escrevia cartas de amor sabia tão pouco, quase nada. Foi bom que assim o fosse. Atraía-me o seu doce mistério, fascinava-me seu bem guardado segredo. Ela, a desconhecida, a inesperada.
Dizia me amar desesperadamente, que criava cachorros no quintal, cultivava flores no jardim e no peitoril das janelas, que gostava de vinho, música, mar, luar, serenatas, dos sonetos de Florbela Espanca e que adivinhava, pelo foto do jornal, um quê de inextinguível tristeza e de ironia em meu olhar. Isso é tudo que sabia dela e me bastava. Pela vez primeira, uma mulher dizia que me amava sem restrições e nada exigia de mim, nada pedia em troca de seu doidivanas amor. Nem compromisso, nem sentimentos recíprocos. Pedia-me unicamente que me deixasse amar sem medos nem constrangimentos. Depois de algum tempo, parou de me escrever. As cartas sumiram, desapareceram e nunca mais soube da mulher que me escrevia cartas de amor e que tanta falta me fazem, mal sabe ela o bem que me causou. Suas cartas espantavam, enquanto as lia, essa tristeza mal cicatrizada nos meus olhos e que A Mulher Ignota poeticamente descortinou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário