quinta-feira, 17 de março de 2011

Airton Monte 9 Março - Ressaibos do carnaval

Um Pouco atrasada, mas esta crônica do Airton Monte sobre quarta-feira de cinzas tá muito boa!!

Pois é. A Quarta–Feira de Cinzas chegou como uma lúgubre e incômoda visita já esperada, porém escapistamente esquecida por todos os foliões enquanto durou o Carnaval. A cidade amanheceu com as pupilas avermelhadas e negras olheiras de ressaca. Também pudera. Depois de quase uma semana de esbórnia, porres homéricos, mergulhada na sangria desatada do que parecia uma interminável folia coletiva, outra coisa não era de se esperar a não ser festa acabada, músicos a pé, estandartes cabisbaixos, cambaleantes de cansaço e um clima de enterro, de velório da alegria pairando sobre todas as cabeças dos brincantes. Sai-se do sonho da Terra de Momo para cair novamente no duro cenário da cotidiana realidade. A brincadeira acabou deixando seu costumeiro rescaldo de mil alegrias e outras tantas tristezas impregnadas de luto e de saudade.


Dizem ser o Brasil o país do Carnaval e eu, simples mortal comum, acredito piamente nessa definição tradicional, pois as evidências são impossíveis de negar. Além do mais, sem desejar parecer reacionário, creio que todo povo precisa, de quando em vez, de uma aliviante ração de pão e de circo. E o que é o Carnaval senão o reinado (tudo bem, ilusório) do onírico e do delírio, quando são abolidas quase todas as nossas restrições e censuras inconscientes e o nosso implacável vigia, o empata – festa do Superego acaba virando Superégua, fazendo vista grossa para as nossas ensandecidas aventuras carnavalescas. Quarta–Feira de Cinzas é o dia do arrependimento universal, assim como é a segunda–feira quem paga os pecados cometidos no domingo. Pelo menos aqueles dos quais nos lembramos, por serem os mais graves. O resto fica jogado nos desvãos da memória.


Engana-se quem pensar ser o Carnaval uma genuína invenção brasileira. Esquecido está das festanças dedicadas a honrar o deus Baco no mundo antigo dos gregos e romanos, onde a libertinagem corria solta, o vinho atiçando a libido e a orgia sexual envolvia todos os participantes numa grandiosa festa de arromba, onde ninguém era de ninguém, sem distinção de sexo. Afinal, Baco não era um deus dos mais populares à toa. No mundo cristão medieval, o Carnaval tratava-se de um período de festas profanas, iniciadas, geralmente, no Dia de Reis e se estendendo até Quarta–Feira de Cinzas, o dia em que começavam os jejuns quaresmais. Imperavam as manifestações sincréticas de ritos e costumes pagãos, misturando festas dionisíacas, saturnais, lupercais e eliminava-se a repressão das atitudes críticas e eróticas. Que bom!


Como se vê, causando, quem sabe, uma pequena decepção nos mais ferrenhos nacionalistas, não saiu de nenhuma cabecinha brasílica a invenção do tríduo momesco. Assim como o futebol, o povo brasileiro, num rasgo de genialidade, aperfeiçoou o Carnaval, tornando-o realmente a nossa maior festa popular e uma sedutora atração turística. Eu, apesar de não ser um carnavalesco fanático, desses que adora se fantasiar e sair batendo lata pelas ruas nos blocos de sujo, confesso que gosto de Carnaval, porém não boto meus pés fora de casa durante o reinado de Momo. Prefiro deixar-me, se possível, no sagrado recesso do lar, vendo a folia pela televisão. Principalmente, é claro, o desfile das escolas de samba cariocas e seu esplendoroso batalhão de esculturais mulatas. Um santo colírio para as minhas gastas retinas.

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