quinta-feira, 17 de março de 2011

Airton Monte - Sem Explicação - 11 Mar 11

"Apesar de ser domingo, para minha surpresa, nenhum dos telefones deu sinal de vida até agora, o que é coisa rara de acontecer. Nem mesmo os filhos, que para outras plagas viajaram, se deram ao trabalho de enviar uma mensagem sequer pelo Graham Bell. Pelo menos, deve ir tudo bem com meus desdobramentos celulares, assim interpreto de maneira positiva esse filial silêncio. Enquanto estão mergulhados em plena diversão, os filhos costumam esquecer que possuem pai e mãe. A regra habitual é só telefonarem, seja lá que hora for, quando estão passando por aperreios e dificuldades. Portanto, por enquanto, deixo-me restar quieto no meu canto, aproveitando a paz e o sossego que me foram concedidos provisoriamente. Digo provisoriamente, porque quem tem filhos se acostuma a viver no que chamo de estado espiritual de por enquanto, em um infindável compasso de espera até que eles voltem para casa sãos e salvos de suas semanais aventuras.


Devo confessar, antes de tudo, que há pouco eu estava realmente perdido, enredado em um cipoal de pensamentos vagos, ideias vadias, sem saber como começar esta crônica. De quando em vez tal situação de branco acomete a inquieta mente de quem se vê forçado pela dura missão de escrever todos os dias, quer esteja com vontade ou não e eu desconfio muito da tão decantada fidelidade das minhas volúveis musas de plantão. Nem sempre elas estão dispostas a colaborar com este humilde cronista pousando-me nos ombros feito dóceis passarinhos, sussurrando-me as palavras necessárias, as frases indispensáveis que me despertem a imaginação. A inspiração soprada pelas musas é passageira e imprevisível qual as chuvas de verão. Impossível confiar verdadeiramente nesse eventual auxílio.


No fim das contas, aquele que escreve por ofício só pode contar é consigo mesmo e haja sangue, transpiração e, por vezes, um esforço hercúleo do já sambado juízo. Foi o que aprendi desde que sonhava em tornar-me escritor. O resto não passa de conversa fiada de certos turistas das letras que escrevem por puro diletantismo. Eu não escrevo porque assim o quero, eu escrevo porque não posso viver sem fazê-lo. Mexer com as palavras, contar histórias faz parte do meu show e da minha humana essência. Se exerço esse ofício bem ou mal passa por outro nível de discussão, cujo resultado final não reside nas mãos dos críticos, como muita gente pode pensar. A decisão de ler o que escrevo ou ignorar as minhas mal traçadas fica a cargo dos leitores. Eis uma lídima verdade incapaz de ser negada. É ou não é, Seu Zé?


Claro que eu continuaria escrevendo as minhas lérias quer fossem publicadas ou jazessem enterradas nas gavetas da escrivaninha, em caixas inúmeras espalhadas pela casa, servindo de repasto para traças e cupins. Escrever nem é fácil nem difícil. É uma coisa natural, espontânea para cujo nascimento quem escreve não encontra explicação. Também desconheço se é um dom, uma bênção ou maldição. Quem sabe, não seja uma vocação herdada de algum antepassado. Meu bisavô, por exemplo, era poeta e foi um dos fundadores da Padaria Espiritual. Quiçá não passe de uma mera coincidência e eu tenha nascido escritor por obra do acaso. De nada tenho certeza, quanto mais dessas sutis artimanhas dos genes. Só sei que vou levando a vida enfiado até os gorgomilhos nos misteriosos desvãos da literatura. Não escolhi esse caminho. Por ele fui escolhido."

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