sábado, 12 de fevereiro de 2011

Airton Monte _ "Solidão"

não pecisa nem dizer que a crônica a seguir é de Airton Monte!!! Se Chama " Solidão"" Mui bem escrita!!!!!!!!!!



Solidão


É meia-noite, assim me diz o meu relógio e mesmo sem querer acreditar, eu tenho que simplesmente acreditar. Quem de nós vai se arriscar a brigar com o tempo? É, pois é, como poetaria Gonzaguinha: vida vamos nós e não estamos sós. Meia noite. A Hora Grande. Parece que vejo fantasmas, ah, mas fantasmas perfumados de jasmins me diz o amigo de todas as horas de atroz solidão: Chico Buarque de Holanda. É meia noite e escrevo, solitário, mas não tanto. Na verdade eu sempre estive só, tão só, que me habituei à solidão, velha companheira.

Que saudades do meu pai, que a esta hora, merecidamente, já deve estar amortalhado nos braços generosos de Morfeu, imerso, no mínimo, no sétimo sono. Que vontade de ligar para o meu bom amigo Erle Rodrigues, mas fico com medo de incomodá-lo. Afinal, já passa da meia noite e meu velho amigo Erle Rodrigues já deve estar no mais completo repouso. E, aqui pra nós, que direito tenho eu de incomodar os meus amigos a esta hora tardia da noite? Sim, estou sozinho, no alpendre de casa, com meus cachorros, embora toda solidão do mundo resida em mim.

Claro, meu caro poeta Airton Monte, que você está absolutamente sozinho nesta noite de merda ouvindo Al Jarreau e daí? E daí cara? Você está crescido, você é uma merda de um sujeitinho de cinqüenta e nove anos e todo o resto da vida pela frente. Pois sim. Contudo, me pergunto, um tanto quanto inquieto: mas que tipo de vida? Morando em casa alugada, eternamente preocupado com a bosta do dinheiro e a oficial extorsão do imposto de renda. Nada disso tem qualquer importância. Nada, neste momento tem a menor importância. Nem a morte dos meus filhos.

Nada, nesse momento único e insuportável, carece de importância. Ponto. Parágrafo. E começar de novo a tecer novas palavras, tantas quantas me sinto capaz. E a noite vai seguindo o seu ritmo. E eu não consigo ouvir estrelas, a não ser que todas se chamassem Marilyn Monroe. Enquanto isso, o demoniozinho que habita em mim me diz, me aconselha que eu me embriague e beba toda a cerveja do mundo. Embriagar-se é uma saída muito fácil. Prefiro encarar a solidão de frente que nem um sapo engolindo um cigarro.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Pior time da história. Será mesmo?

Como o momento para torcida vascaína não é dos melhores , resolvi postar hoje um bom texto que um jovem jornalista seguidor do time da Colina escreveu num sítio vascaíno , para mim ele retrata bem a realidade da torcida Vascaína , notem a lucidez desse texto , a sobriedade que acredito ser peculiar a grande maioria da infinita torcida vascaína!! O nome do autor é Pedro Canuto.Ei-Lo :

Por Pedro Canuto

Quando nasci em 1981, já era um projeto de torcedor. Filho de jornalista esportivo, tive meu destino praticamente selado desde o meu parto.

Haveria de ser ponta direito, jornalista ou amante do futebol. Talento em campo, nunca tive. Como jornalista, preferi ser publicitário. Como amante de Futebol, descobri o Vasco da Gama.

Surgiu como pura magia. Desde os 5 anos de idade frequentava o Estádio Rei Pelé de Alagoas. Sempre na mesma cadeira logo abaixo da tribuna de imprensa, aonde meu pai no alto de seus 1,94m ficava com um olho no campo, anotando atenciosamente cada passe, cada drible, produto em abundância na época até para os modestos CRB e CSA de Alagoas. E com o outro olho ficava a espionar cada lance que seu filho peralta e inquieto, quase uma bomba relógio de proporções diminutas na época.

Era impossível ver-me parado e/ou concentrado com algo. Era um menino danado. Hiperativo (para quem não sabe do que se trata, pode clicar no link). Mas, apenas uma coisa funcionava melhor que calmante ou babá para segurar aquele menino incontrolável feito trem.

O futebol.

Naqueles 90 minutos no Rei Pelé, mais conhecido como Trapichão, era completamente dominado. Não sabia ler ainda, mas já decorara a escalação do CRB sem dificuldades.

Até então, futebol para mim, era assistir um jogo no Trapichão. Já era vascaíno, mas quando o amor aflorou, foi aos 8 anos de idade que por acaso, assisti a final do campeonato de 1989. Gol de Sorato.

Cresci cada dia mais apaixonado. Um casamento perfeito. A grandeza do Vasco me enchia ainda mais de orgulho. A rivalidade com o Flamengo e o domínio sobre o flu e o botinha nos anos 80 e 90. Colecionei grandes nomes e craques do futebol mundial com a cruz de malta colada no peito.

Lembro em 1992 quando o Vasco disputava a copa do Brasil contra o CSA lá em Alagoas. Meu ídolo era Bebeto e com ele, o menino, quase adolescente ainda guardava um amor infantil pelo Vasco. Amor este que permanece igual até hoje, intacto.

Naquela ocasião, conheci o Bebeto e ele prometera dar-me a camisa do jogo. Cumpriu com sua palavra e com a camisa ainda suada, a assinou e me deu como presente. Presente este que guardo até hoje. Sem a assinatura, por um descuido da funcionária de minha casa, mas o sentimento pelo presente é como se tivesse sido tatuada no meu couro vascaíno.

Pude ver o Vasco ganhar tudo que disputou, conhecer novo ídolos e vi com meus próprios olhos, todos os jogos transmitidos do Vasco naquele fantástico ano de 1997. Vi o melhor jogador do mundo de 1997 vestindo e marcando muitos gols com a armadura sagrada de São Januário. Edmundo!

Pra mim não importa que o eleito pela FIFA tenha sido o Ronaldinho. Ele foi um dos maiores astros da história. Mas em 1997, ninguém no mundo jogou mais bola que o Edmundo. E eu vivi todo esse tempo.

Vi um sujeito apaixonado pela cruz de malta, talvez o mais apaixonado entre todos, confundir amor por poder, coragem por imposição e esquecer que um clube é de seus sócios e torcedores e não próprio. Vi tornar-se de um grande dirigente a um péssimo ditador.

Já acreditei até que Jr Baiano e Odvan eram craques e que o Romário tinha amor pela camisa vascaína. Acreditei com toda aquela atenção que fazia o menino danado e hiperativo parar, ouvir, ver e sentir a emoção do futebol; em todo o esplendor de uma concentração inexplorada, até então, de que o Vasco é maior do que tudo e todos. Honrei meu amor assistindo todos os jogos in loco que a distância me permitiu e o bolso pode pagar. Ignoro os maus agouros e as ironias que a vida me apronta.

Afinal existe ironia maior do que ver um gigante se apequenar. Hoje no alto dos meus 1,97, um gigante diante da média nacional quero me sentir novamente pequenino e ver apenas o futebol com o encanto de uma paixão. Esfuziante. Entorpecente.

Porque é preciso ignorar técnica e brilhantismo. Ignorar a história que conheci. Esquecer toda aquela glória que vivi, para somente assim, com toda coragem que ainda me resta e com todo amor que sempre hei de ter, poder parar tudo da minha vida e sentar para assistir uma partida do meu Vasco de hoje.

Desde quando meu coração pulsou e vibrou em 89, mudei quem eu era, assim são os amores, capazes de nos transformarem em pessoas melhores. Tomara que o meu amor seja capaz de fazer um Vasco melhor.

E quando aquela criança viu um drible findando em gol, nunca mais fui o mesmo. Que o Vasco volte a ser o mesmo.

É com toda essa paixão que ainda mantenho o sorriso, mesmo assistindo o pior time do Vasco que meus olhos insistem em ver e meu coração insiste em ignorar a dor que me atinge.

“Enquanto houver um coração infantil, o Vasco será imortal”. ( Cyro Aranha )

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Será mesmo?

Reproduzindo, como sempre faço sempre que posso a também sempre boa crônica do alencarino escritor Airton Monte, foi publicada no jornal O POVO tem por título " Será Mesmo?".


Será mesmo?


Mal começo a escrever, me vem ao atabalhoado bestunto um pensamento meio fora de hora. Nada mais, nada menos que as longas tardes de sábado foram particularmente criadas para se conversar com os amigos sem nenhuma pressa, desfrutando o tempo que nos é dado de mão beijada, generosa oferenda. Apenas conversar sobre o tudo e o nada, sobre os assuntos mais importantes e desimportantes (na nossa abalizada opinião, é claro), sobre aventuras passadas e presentes, quer sejam reais ou fictícias, sobre peripécias vividas, trocando ideias, confissões íntimas, piadas, prazeres e sofreres. Falar a respeito da vida e da morte e suas dimensões inesperadas. Não é o que costumam fazer os amigos de longa data quando se reúnem em uma democrática mesa de bar?


Só sei que desses encontros saio de alma lavada e enxaguada, consideravelmente revigorada para enfrentar durante a semana as agruras do cotidiano. No último sábado, apesar da ressaca do réveillon, a cidade já acendendo suas luzes, eis-me a papear, primeiro, com Erle Rodrigues, que há tanto tempo não revia, cuja presença inevitavelmente me premia com uma boa conversa e libertadoras gargalhadas. Vai-se o Erle, lá se vem Audifax Rios. Pensei cá comigo: hoje é meu dia de sorte. A noite avança mais um pouco, despede-se o Audifax não sem antes me ofertar o seu opúsculo:Travessia Rio-Mar. Finalmente, vão se esvaziando as mesas do Flórida e chega a minha vez de dar adeus às armas. Apesar de boêmio, sou pai de família, marido exemplar e dos mais virtuosos, embora seja difícil de acreditar.


Bom voltar pra casa, pro meu mundinho singular, onde tudo é ordem e todas as coisas que me pertencem possuem um nome próprio porque nomeadas por mim. Nada de escrever nas noites de sábado, salvo se premido por uma pertinaz e incômoda urgência. Satisfeito por não ter obrigações nem compromisso com as palavras, concedo às volúveis musas de plantão a sua ansiada folguinha semanal, que elas bem merecem. Sábado à noite, para mim, torna-se sinônimo de leitura, não de oficina de palavras para preencher o vazio do papel. O outro dia domingo nascerá, o dia do inesperado, dos acontecimentos puramente fortuitos. Agora, confortavelmente instalado no alpendre da casa, me acossa um sentimento inquietante, eivado de uma súbita solidão.


Neste exato momento, sou um homem tão só. Percebo-me irremediavelmente só feito um Robinson Crusoé sem radinho de pilha, como certamente diria Nelson Rodrigues e nada, absolutamente nada posso fazer a respeito. Há correntes, grades, trancas, cadeados nos meus sentimentos. Meus afetos foram postos a ferros como remadores num porão de navio, até meu coração esqueceu os idiomas naturais da transcendência. As minhas palavras estão chumbadas no desvão da indiferença por tudo que me cerca. E, por ora, dispensam a existência e a presença do próximo. Por baixo de uma aparente calmaria, as emoções submersas desembestam incontidas, irrefreáveis. Sei que depois tudo isso passa sem deixar vestígios e volto a ser aquele sujeitinho vulgarmente simpático que sempre fui e demonstro. Será mesmo?


Airton Monte - publicada no Jornal O POVO de 6 de Janeiro de 2011

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Ano novo

Reproduzindo a sempre excelente crônica do completo Airton Monte, o tema é o atual e se chama Ano Novo.

Ano novo



Não se pode dar um passo, ao botar os pés fora de casa, sem que nos façam a indefectível e paulificante perguntinha: onde vai passar o Réveillon? Eu, só pra me livrar dos chatos de plantão, logo respondo com uma mentira épica, dizendo que vou festejar em Paris com a cara mais lavada do mundo. Ah, quem me dera a felicidade de passar o Ano Novo em Paris, bolsos estufados de dinheiro e nenhuma preocupação no juízo, longe desse mundinho habitual e comezinho em que habito. Todavia, vou ficar por aqui mesmo, na minha cidade, na minha casa, comemorando com minha mulher feito um casal de noivos de meia idade, porquanto nossos filhos, jovens pássaros fujões, vão alçar voo para outras pairagens, no que fazem muito bem, pois voar é com os pássaros.

Jamais entrou em minha teimosa cabeçona chata a tradicional caracterização do Ano Velho na figura de um caquético macróbio, vestes puídas, longas barbas brancas, apoiado numa bengala. Nem a do Ano Novo em forma de bebê recém-nascido, envolto em fraldas. Pra mim, é mais um ano que vivi e mais um ano que viverei, alimentando os sonhos e esperanças de sempre, no aguardo de que o que me vem pela frente seja melhor do que o que para trás ficou. Há mais rugas sulcadas em meu rosto e passados dissabores em meu coração. Porém, vou levando em frente a minha história, escrevendo-a com minhas próprias mãos. Nessa matéria de viver, não se reescreve o que já foi escrito. Um novo ano pede palavras novas e páginas em branco e abomina o mata-borrão e velhos personagens.


E as tradicionais promessas de fim de ano? Aquelas que se costuma fazer, genuflexo e de mãos postas, na empolgação do calor da festa? Já me tinha prometido não fazê-las, pois dificilmente as cumpro e mal as faço, logo delas me esqueço tão rapidamente quanto as fiz. Mudar de vida, abandonar alguns hábitos, largar certos vícios, assumir novas posturas, escrever o romance de minha geração, ganhar o Prêmio Nobel, tornar-me o mais perfeito marido da face da Terra. Deixar de fumar é-me imprescindível, se quiser continuar vivo. Mudar de casa também é impossível recuar, coagido que estou pela força das imobiliárias circunstâncias, a não ser que aconteça o milagre de ganhar na loteria, com a ajudinha providencial de São Francisco.


Ficar mais um ano sem beber? Fico porque é o jeito. Meu fígado combalido ainda implora por um tantinho a mais de sossego. Outrossim, como diria meu sábio irmão Vessillo, os médicos podem me proibir de beber, mas não de ter sede. Entanto, me descasar da boemia, isso nem sequer pensar. Apreciar as mulheres bonitas faz parte da minha natureza, portanto, nessa questão, não prometo nada. Em compensação, prometo demonstrar mais tolerância com a burrice alheia, inclusive a minha. Aprender a cozinhar está completamente fora das minhas cogitações, assim como gostar de ir à festa de menino novo. Pagarei minhas dívidas na medida do possível, principalmente com a Receita Federal. E assim, dando os trâmites por findos, que venha o Ano Novo e nos traga a Paz de que o mundo anda tão precisado.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Quando o Natal não for um dia

Folheando as páginas do jornal O POVO ,como sempre faço todas as manhãs que posso fazer isso, deparei com um texto bom escrito na seção de opinião, não sei se se trata de um escritor de profissão mas ele está bem escrito. Reproduzo a seguir:

Quando o Natal não for um dia



Via-se que era um homem rico. Pelos trajes, pela postura, pela maneira como olhava tudo ao redor. A impressão que transmitia era justamente essa: tudo posso, sou senhor e sou dono. Eu olhava de longe, como simples observador. Era difícil enxergar com profundidade, naquele ambiente de compras apressadas, de barulho ensurdecedor. Prefiro a quietude, mas não posso fugir do burburinho, em algumas situações especiais.


A criança, rompendo as normas de segurança, penetrou naquele lugar, sem portar no rosto e nos trajes a senha exigida: “sou um consumidor em potencial”. O homem rico baixou os olhos e viu a criança pobre. Havia tristeza no olhar do menino. Tirou da carteira uma nota de 50 reais e disse ao garoto: “Tome, compre um presente de Natal.”


O pirralho apanhou a nota, um sorriso de satisfação estampou-se em seu semblante. Saiu correndo com a nota bonita por entre os dedos pequeninos. Observei o rosto daquele homem que olhava para tudo como senhor e dono. Pude captar seu pensamento: “Que coisa maravilhosa! Sinto-me feliz. Esse sorriso de criança deu-me mais satisfação, mais contentamento do que as festas a que vou, do que os empregados que me servem, do que os automóveis de que me sirvo, do que os amigos que me bajulam.”


Dialoguei em silêncio com o homem rico: “Sim, meu caro. Os homens fogem da felicidade. O mundo é triste porque o Natal é apenas um dia. Quando toda noite for semelhante à noite em que Jesus nasceu, quando toda manhã for manhã de Natal, nossa vida mudará. Ah se fôssemos uma corrente contínua de amor, se não fôssemos egoístas, avaros, competidores, fera junto ao irmão, construiríamos um mundo novo. Se praticássemos a caridade, como o apóstolo Paulo a descreveu numa epístola imortal, que bom seria viver neste mundo, então transformado em morada fraterna.


A caridade é a ajuda que ninguém testemunha, é a palavra de carinho, o conselho amigo, o sorriso e o aceno, a disponibilidade completa, a humildade contínua. A caridade é a luta pela transformação das estruturas sociais, é o combate permanente para construir a Justiça e a Paz. A caridade é a pugna incessante contra todas as formas de opressão, marginalização e discriminação, pugna que muitas vezes cobra, como preço, a própria vida dos lutadores, mártires da edificação de uma outra sociedade.


Quando o Natal não for apenas um dia, até o Dia de Natal será diferente. Ninguém estará fora da celebração, não haverá muros, não haverá divisões.

João Baptista Herkenhoff - Magistrado aposentado, professor e pesquisador universitário

Pubicado no jornal O POVO edição 27.607 de 24 de Novembro de 2010.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Adelia Prado Poesia

Dando sequência de poemas de ADELIA PRADO venho agora com o excelente texto poético intitulado "Moça Na Cama"


Moça na cama



Papai tosse, dando aviso de si,
vem examinar as tramelas, uma a uma.
A cumeeira da casa é de peroba do campo,
posso dormir sossegada. Mamãe vem me cobrir,
tomo a bênção e fujo atrás dos homens,
me contendo por usura, fazendo render o bom
Se me tocar, desencadeio as chusmas,
os peixinhos cardumes.
Os topázios me ardem onde mamãe sabe,
por isso ela me diz com ciúmes:
dorme logo, que é tarde.
Sim, mamãe, já vou:
passear na praça em ninguém me ralhar.
Adeus, que me cuido, vou campear nos becos,
moa de moços no bar, violão e olhos
difíceis de sair de mim.
Quando esta nossa cidade ressonar em neblina,
os moços marianos vão me esperar na matriz.
O céu é aqui, mamãe.
Que bom não ser livro inspirado
o catecismo da doutrina cristã,
posso adiar meus escrúpulos.
e cavalgar no topor
dos monsenhores podados.
Posso sofrer amanhã
a linda nódoa de vinho
das flores murchas no chão.
As fábricas têm os seus pátios,
os muros tem seu atrás.
No quartel são gentis comigo.
Não quero chá, minha mãe,
quero a mão do frei Crisóstomo
me ungindo com óleo santo.
Da vida quero a paixão.
E quero escravos, sou lassa.
Com amor de zanga e momo
quero minha cama de catre,
o santo anjo do Senhor,
meu zeloso guardador.
Mas descansa, que ele é eunuco, mamãe.



extraídos de "Adélia Prado - Poesia Reunida", Editora Siciliano - São Paulo, 1991, pág. 175.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Beleza, coragem, medo

Postei hoje a excelente crônica do poeta e escritor Airton Monte , suas crônicas são publicadas diariamente nas páginas do bom jornal O POVO , sempre publicada das segundas as sextas-feiras.
Eis abiaxo o bom texto:


Beleza, coragem, medo


No alpendre de casa, curvado sobre a mesa de trabalho, eis-me a postos. Ainda é cedo da noite. Sei que a maioria das gentes está tentando voltar pra casa depois de mais um dia de trabalho. Alguns ficarão no meio do caminho, parados por um acidente ou pela bala de um assaltante. Outros, simplesmente estancaram nos bares de costume e como se trata de uma sexta-feira, certamente esquecerão da hora do retorno, porque fazem parte dessa estranha confraria do vermute, do conhaque e do traçado, como cantava Nelson Gonçalves pelas ondas do rádio. Entre um anestésico e outro se vai levando a vida em qualquer cidade do mundo, porque em qualquer cidade do mundo o ser humano é sempre igual em seus desejos.

Olho o relógio: sete e meia da noite. Tão cedo e tão tarde. Para nada. Para tudo. Ou para coisa nenhuma. Minhas costas doem. Levanto-me, caminho um pouco em torno de mim mesmo como se me procurasse de mim distante. E estou tão perto que, por alguns instantes, nem sequer me vejo. Vou até o jardim. Ergo os olhos. Nuvens esparsas no céu claro. Baforadas noturnas de Deus. Na infância, lembro que perto de casa havia um velho marinheiro. Depois do jantar, ele ficava sentado na calçada, repousando em sua velha espreguiçadeira, fumando seu cachimbo e esculpia a fumaça em diversas formas geométricas. O menino que eu era ficava completamente fascinado e pensava que, além de marinheiro, ela também era um mágico aposentado.

Olho o relógio outra vez: oito horas. Volto a sentar-me à mesa de trabalho. Será que o mundo não é tão vasto e tão vário quanto o penso ser? Que pergunta mais besta, mais boba, mais ingênua essa que me fiz, igual a tantas outras que me faço. Ah, de quanta mesmice não sou eu capaz. De quanta besteira escrita em letras garrafais. Preciso tomar um pouco de tento, lapidar com mais vagar meu pensamento. Burilar um pouco mais palavras, frases, escrever algo que tenha, pelo menos, um modesto quê de original. Meus olhos míopes ardem um pouquinho sob a luz rala que me vem do teto. Retinas gastas que muito viram e preferiram calar como se nada houvessem divisado.

Uma borboleta negra, enorme, pousa na grade do quintal. Sinal de sorte? De mau agouro? Ou apenas um mero acaso? Houve um tempo, bem me lembro, em que eu tinha um verdadeiro pavor de borboletas negras, que o povo chamava de Bruxa. Interessante, hoje não tenho mais. Engraçado, com o avançar da idade, meus medos foram todos lentamente desaparecendo. E viver sem medos torna a vida chata demais. É preciso um tantinho assim de medo para se ter coragem. A coragem e o medo se transformam em coisas tão banais à medida que você se apaixona desmesuradamente pela beleza e apaixonar-se pela beleza nada mais é do que apaixonar-se pela vida.


Airton Monte - Publicada no jornal O POVO no dia 2 de Novembro de 2010

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Uma visão panorâmica da cidade de Aracoiaba ( foto recolhida nem sei como!)

J.Davi

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Pedra Aguda , monumento tão banalizado pelos aracoiabenses, infelizmente meus conterrâneos não dão valor a Geografia de sua terra!

Foto por J. Davi

sábado, 14 de agosto de 2010

Como não tenho muito tempo para escrever nesse espaço, farei uma homenagem a importante poetisa mineira ADÉLIA PRADO , esse poema tem como título TEMPO ( e não é por acaso que seu título é esse!) , notem a densidade poética colocada num pequeno espaço de versos, isso só ADÉLIA sabe fazer:

TEMPO


A mim que desde a infância venho vindo

como se o meu destino
fosse o exato destino de uma estrela
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
Vinte anos mais vinte é o que tenho,Negrito
mulher ocidental que se fosse homem
amaria chamar-se Eliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julho
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo. Quero a fome.

ADÉLIA PRADO