Airton Monte - Pedido de socorro - 6 Julho 2011
Manhã de sábado que se anuncia barulhentamente e não há nada que eu possa fazer a não ser tentar ignorar bravamente os tantos ruídos que me atordoam, vindos da pequena rua onde moro agora. Quando acordei, tive uma saudosa surpresa. Bem, surpresa é mais um modo de falar, pois já era sabedor de sua partida anunciada mal a semana botou as unhas de fora e me mostrou os dentes num sorriso maldoso e até certo ponto sarcástico. Mês de férias iniciando e a bem amada decidiu ir refugiar-se dos aperreios cotidianos lá pras bandas do Iguape ao lado dos irmãos e sobrinhos. Claro que não me foi de todo aprazível saber que a minha insubstituível Rainha do Lar vai passar uns longos e intermináveis oito dias distante de minha marital companhia. Entanto, levando em conta as circunstâncias, sei que ela necessitava quase urgentemente de um mais que merecido descanso das tediosas tarefas e responsabilidades domésticas, posto que ninguém é de ferro.
Por sofrer de uma incurável ojeriza a despedidas e adeuses, preferi deixar que ela se fosse sem que a visse ir-se. Foi melhor assim, menos dolorido, menos triste, menos sofrido pelo menos para mim. Nem sequer lhe escrevi o costumeiro e tosco bilhetinho cheio de prosaicas palavras de afeto desejando-lhe uma boa viagem sem sustos e que ela chegue ao seu praiano destino em completa segurança, livre e protegida dos perigos emboscados na estrada por todos os santos de sua devotada devoção. Por aqui vou ficando eu, preso a esta cidade e a seu pandemônio, sentindo-me feito um desgraçado prisioneiro de campo de concentração, segurando a pesada barra de tomar de conta da casa, dos filhos e dos dois cachorros. Haverei, forçosamente, de assumir o desagradável e cansativo posto de vigia, de sentinela do nosso suburbano tugúrio, até que ela retorne aos meus braços mais bela e bronzeada do que partiu. Coisas da vida, que é feita de idas e vindas, de ausências e de presenças dos seres que amamos.
Confesso, com sincera humildade, colocar sobre os meus ombros todo o imenso peso dos compromissos e responsabilidades habitualmente carregados pela bem amada, muito embora, antes de ir, ela tenha deixado a maior parte deles resolvida ou devidamente encaminhada e eu possa contar com o providencial adjutório de nossa um tanto quanto pragmática primogênita. Porém, nunca se está livre dos pequenos ou grandes problemas que podem surgir no decorrer do dia a dia. Por via das dúvidas, talvez não muito segura de minha competência para resolver a contento os possíveis pepinos que surjam enquanto distante estiver, a bem amada deixou a minha disposição um caderninho de salvadoras instruções para tais eventualidades, uma espécie de manual de sobrevivência destinado a me socorrer caso alguma coisa aconteça fora da ordem rotineira. Me conhecendo demasiado, após tanto tempo de íntima convivência, a mui amada achou por bem tomar as suas cuidadosas precauções.
Todavia, como hei de fazer para diminuir a tremenda falta que ela me faz, quer seja nos prazerosos jogos de cama, quer seja na companhia do dia a dia, compartilhando as alegrias e aflições. Afinal, estamos juntos desde que tínhamos quinze aninhos de idade, quando, intimorato mancebo, a tomei de um incômodo namorado durante a sua festinha de debutante, conquistando-a com um poema de amor acompanhado pela canção Minha Namorada, do Carlos Lyra e Vinícius e que se tornou a música de nossas vidas desde então e desde sempre. Contudo, vale a pena ressaltar que sou um verdadeiro e incontestável desastre na prática mais simples do cotidiano, uma catástrofe ambulante. Não sei trocar o botijão de gás, substituir uma lâmpada queimada, dirigir o sambado carro da família, arrumar uma torneira quebrada, ir a bancos, preencher um cheque, usar caixa eletrônico, pendurar um quadro na parede sem danificar o reboco. Por isso, bem amada, suplico que não estenda sua ausência mais que o prazo combinado. E volte logo, não demore muito, não demore nada, seja camarada e retorne rápido ao aconchego dos braços deste escriba desesperado.
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