sexta-feira, 22 de julho de 2011

Airton Monte - Contrastes - 22 Julho 2011

Genial crônica do velho Monte!


"Há certas histórias aqui por mim contadas que se assemelham tanto à realidade, que muitos não acreditam ou custam a crer que se tratam de histórias verdadeiramente reais e que, em sua essência, não passam de frutos nascidos de minha vadia imaginação. E não tiro a sua razão, pois geralmente os escritores são exímios e renitentes mentirosos profissionais por força do ofício. Aliás, melhor dizendo, em verdade, os escritores não mentem no exato sentido do termo, apenas, vez por outra, costumam transfigurar a tal da realidade, botando uma pitadinha a mais ou a menos de seu personalíssimo tempero, com a finalidade de tornar o que contam um pouco mais atraente aos seus possíveis leitores. E quem conta um conto, inevitavelmente sempre aumenta um ponto. O mundo está repleto de personagens, cujas histórias merecem ser contadas, por mais inverossímeis que pareçam aos nossos olhos de contumazes incrédulos.

Pois muito bem, o nosso herói das mal traçadas de hoje tem por nome Joaquim dos Santos Reis. Uns 30 anos de idade, cor branca, usa cabelos cortados rente, de profissão bancário, de classe média aperreada, solteiro, sem pretensões casamenteiras, assíduo frequentador das boates da moda, possui um carro popular, um tanto arredio ao convívio mais íntimo com seus semelhantes, mora sozinho em um apartamento relativamente confortável e pouco mantém contato com seus familiares que moram todos no interior. O fato é que Joaquim dos Santos Reis é um sujeito solitário, viciado em computador, diante do qual passa praticamente todas as horas de folga, inteiramente integrado e participante extremamente ativo das redes de comunicação da internet, onde tem uma extensa e variegada comunidade de amigos internautas que nem ele. Ultimamente, Joaquim dos Santos Reis anda mergulhado num estado de eufórica paixão.

Hoje, saiu correndo do trabalho. Não podia chegar atrasado. Conhecia bem a namorada. Era de uma pontualidade britânica. Afinal, era inglesa e certamente viria na hora aprazada. Dava tempo de tomar um banho, vestir roupa nova, dar os últimos retoques no jantar especial. Ligou o computador, bebeu um drinque, plugou-se. Deixou-se em ansiosa espera. Nove em ponto, ela pintou no site. A tela encheu-se da frase “eu te amo”. Digitou em resposta: ”eu também”. Nunca haviam se visto, sequer ouvido a voz do outro. Regra que jamais deveria ser quebrada. Só sabia que morava nos arredores de Londres e adorava um escritor brasileiro chamado Airton Monte. Moça de muito bom gosto, por sinal. E dele, o que conhecia a internáutica amada? Que era cearense, morador de Fortaleza, fanático torcedor do Botafogo, qualidade humana que nunca seria demais ressaltar. Todos os dias, os dois se encontravam na mesma hora e trocavam infindáveis juras de amor eterno em mensagens eletrônicas que ele ia imprimindo e depois guardava cuidadosamente em inúmeras pastas de plástico como quem guarda um tesouro, trancadas a sete chaves num pequeno esconderijo oculto na escuridão do guarda-roupa.

Aos sábados e domingos, Joaquim não saía de casa nem pra comprar comida, alimentando-se de congelados, enlatados e em seu apaixonado coração só havia um medo: que subitamente acontecesse uma pane no computador, interrompendo o contato entre ele e a amada. Por precaução, possuía três máquinas, sempre renovadas pra evitar essa desagradável surpresa. E nesse vai e vem de namoro digital, um ano já havia transcorrido. Ela recusara às tentativas de se encontrarem pessoalmente, por mais que Joaquim insistisse. E nessa noite especial, quando a relação fazia aniversário, os dois, em uma espécie de lua de mel, num delírio virtual, passaram a manhã numa ilha do Caribe, almoçaram em Paris, jantaram no Taj Mahal, dormiram num hotel de luxo em Shangri-Lá. Depois, exaustos, ficaram brigando de mentirinha para ver quem primeiro desligava o computador. Cada um tomou um remédio pra dormir e mergulharam em sua mútua e incomensurável solidão. Enquanto isso, um casal de primitivos antropoides namoravam ao vivo num terraço de um sobradinho branco de janelinhas azuis. Ao fundo, armada entre vasos de jasmins, uma branca rede de casal os convidava, cúmplice, para gozar de todas as carnais delícias."



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