Tá genial essa crônica!!!
Airton Monte - Conformismo - 27 Julho 2011
"À medida que julho se finda, nos últimos estertores das férias, e agosto já se anuncia no marchar inexorável do calendário, trazendo o bendito e por demais ansiado começo das minhas próprias férias deste prestigioso matutino, torna-se, para mim, um sofrido exercício escrever estas cotidianas mal traçadas. Tal estado de espírito, essa perda do ânimo de pegar da caneta e do papel não me provoca espanto de maneira alguma. Desde que iniciei este laborioso ofício de diário cronista há cerca de uns treze anos passados, considero tal fenômeno que comigo acontece uma coisa absolutamente natural. Trata-se, evidentemente, de um cansaço comum dos meus sambados neurônios, porque, havemos de convir que a dura labuta de perpetrar uma croniqueta cinco vezes por semana durante um longo e interminável período de onze meses é, em verdade, um osso duro de roer. É ou não é, Seu Zé?
Hoje é sábado. Felizmente, para meu gáudio, a manhã nasceu lindamente ensolarada, embora de quando em quando, pairem no céu alencarino algumas raras, esparsas nuvens ameaçadoramente chuvosas, como fiapos rotos de um vestido velho, causando-me, não hei de negar, pequenos e passageiros laivos de uma ansiedade que não consigo de nenhuma forma evitar, por mais que eu tente em vão e inútil esforço de minha frágil vontade. Enquanto escrevo na varanda de casa, floridamente cercado por inúmeros jarros de plantas de todos os tipos(manias de minha mulher, que possui alma de jardineiro)meu filho se diverte com os amigos jogando um tal de RPG, mais conhecido como “Role Playing Game”, um joguinho bastante popular ente os jovens e do qual eu nada entendo, cujos princípios, regras e objetivos ainda sou inteiramente incapaz de entender. E cá entre nós, disso não faço a menor questão de aprender, juro por todos os deuses conhecidos e desconhecidos.
Nesse momento, um maldito paredão de som estoura meus combalidos tímpanos passando lentamente diante de minha casa, fazendo propaganda de produtos postos em liquidação por um estabelecimento comercial, para o qual desejo que entre numa merecida falência por um mais que justo castigo divino, por cometer o imperdoável pecado de roubar descaradamente, impunemente o sossego indispensável do próximo e do distante. Às dez da matina, a rua virou um malfadado pandemônio, uma descontrolada e infernal cacofonia. Os carros, caminhões por ela desfilam fazendo todos os barulhos que julgam ter um inalienável direito de fazê-los, correndo no rumo da Avenida Bezerra de Menezes. O espaço defronte do meu suburbano tugúrio também vai se transformando, rapidamente, em um estacionamento a céu aberto. As pessoas descem dos seus veículos falando alto como se todas elas não passassem de um bando de portadores da mais grave surdez. De instante a instante, o alarme de um semovente dispara e assim permanece por um tempo interminável, até que o desgraçado proprietário venha fazer a gentileza de desligá-lo.
Piorando a minha triste situação de impotente vítima da zoadeira generalizada, como me encontro exposto ao olhar dos passantes através das grades do muro da frente, vendedores de variadas quinquilharias costumam parar e oferecer ao homem que escreve os seus artigos que eles consideram de vital importância para minha vida. Mal sabem que ferve dentro de mim uma renitente ojeriza por todos eles, exceto o benvindo e habitual vendedor de peixe. Meu pequeno jardim está coalhado por folhetos de propaganda de todas as cores e tamanhos, que não servem nem para ser usados caso falte papel higiênico no banheiro. Ah, também costuma dar o ar de sua graça uma infindável procissão de pedintes e esmoleres, alguns falsos, que fazem da suposta mendicância profissão e outros verdadeiros, aos quais sempre ofereço um pedaço de pão ao invés de dinheiro. É, parece que minha manhã de sábado está destinada a não conhecer o significado da palavra sossego. E eu não posso fazer nada, absolutamente nada. A não ser me conformar bovinamente com meu destino."
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