Do meu costumeiro posto de observação, ainda cedo da manhã que mal saiu dos cueiros, sentado na varanda, vigio, feito um sentinela do cotidiano, o que acontece no restrito mundinho de minha rua. Constato que a cada dia, vai aumentando sem parar o número de pessoas que caminham apressadas, empapadas de suor, fazendo o seu exercício matinal numa busca incansável de tornarem-se mais saudáveis e, quem sabe, assim prolongarem a duração do seu existir, protegendo-se das doenças cardíacas, da obesidade e tornando seus corpos em templos de robusta higidez. Enquanto eu, sedentário por vocação, deixo-me covardemente dominar pela preguiça, que em mim já se tornou crônica e acomodadamente permaneço oferecendo uma renitente resistência a qualquer tipo de movimento que ache desnecessário. Dar uma pequena caminhada em volta do quarteirão já me parece concorrer a uma olímpica maratona.
Claro que, como médico, sei que estou incorrendo em crasso erro, pois apesar de ser magro pela própria natureza, tal compleição física de jogador de porrinha de maneira alguma me imuniza contra uma possível pane no cardíaco motor. Quantas vezes não fiz planos, jamais colocados em prática, de começar um roteiro, um calendário de exercícios corporais, mesmo resumidos ao ato de sair pelas calçadas exercendo minha condição de bípede pelo menos umas duas vezes por semana. Inclusive, cheguei a comprar um par de tênis bastante confortável, calção e camiseta no intuito de finalmente transformar-me num modesto atleta e ganhar músculos nas minhas magérrimas canelas. Mas tal preparação física e psicológica logo se esvanece do meu pensamento e o belo uniforme de caminheiro agora resta esquecido no fundo da gaveta do meu guarda-roupa.
Desculpas as mais furadas e variadas sempre dou um jeito de inventar e a principal delas é a falta de tempo, que bem sei e tenho clara consciência não passar de uma monumental mentira. Engraçado é que, quando jovem, fui um insaciável praticante de esportes, desde o futebol ao atletismo, pois muito embora os amigos não me acreditem, fui um exímio craque das quadras e dos gramados e um corredor talentoso de cem, duzentos, oitocentos e mil e quinhentos metros nos jogos intercolegiais. Além disso, joguei minhas peladas semanais até perto de completar 40 anos, quando meu oftalmologista me alertou para o risco de um traumatismo descolar minha retina e fui forçado a pendurar precocemente as chuteiras, porque enquanto anda enxergava a pelota com extrema dificuldade, tudo bem. Porém, quando passei a não enxergar o campo, vi que estava mesmo na hora de parar com minhas façanhas de peladeiro contumaz.
Desde então, abandonei por completo qualquer espécie de atividade motora, preferindo incrementar a calistenia dos neurônios, lendo e escrevendo como permaneço fazendo até hoje. Entanto, não posso negar a pontinha de inveja que me assalta ao ver, todas as manhãs, mal raia a aurora, o pelotão de caminhantes desfilando garbosos, com um ar de missão cumprida estampado nos rostos, diante de meus olhos de velho adepto do sedentarismo profissional. Eu os admiro por sua obstinação inabalável, primordialmente quando são idosos exibindo uma invejável vitalidade. Silenciosamente eu os aplaudo por sua recusa a ceder aos percalços da idade. São bons exemplos que eu deveria seguir, imitar porque seria muito melhor para mim. Todavia, há algo que me impede de fazê-lo. Daí, me conformo com a minha imobilidade e, para ocultar os meus remorsos, acabo apelando para o desgastado eufemismo, apelidando minha preguiça de ócio criativo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário