Voltando as excelentes crônicas do Mestre Airton Monte depois de um breve hiato!!
Sim, bem sei que o Dia dos Pais longe se vai. Já se passaram quase trinta dias da mercantilíssima comemoração. Afinal, minha memória anda um tanto quanto gasta, mas não em demasia. Ganhei as paternas oferendas de praxe, tão costumeiras como o café com pão de todas as manhãs. Discos, livros, bermudas, um par de tênis, abraços e beijos dos amados desdobramentos celulares, além de um supimpa repasto na hora do almoço, bastante diferente do de comer cotidiano, como manda a tradição. Ainda bem, meu querido Velho, que você também sabe que seu primogênito não precisa de data marcada em calendário para lembrar-me de você. Se verdade realmente for que os filhos são um pedaço dos pais, que deixamos semeados, espalhados pelo mundo, desde que você se foi, sinto que me falta na alma e no coração um pedaço que não tem mais tamanho e percebo-me incompleto de uma maneira impossível de ser com palavras descrita por mais realistas, exatas que sejam.
Aprendi que a memória é a pior inimiga e a melhor amiga do homem. E que recordações são boas e ruins, alegres e tristes ao mesmo tempo feito irmãs siamesas de nossos sentimentos e emoções. Entanto, seria muito pior a gente não ter do que se lembrar, do que recordar, do que rememorar, mergulhados tristemente numa pétrea amnésia do que vivemos e de quem convivemos. Mal amanheceu o segundo domingo de agosto, acordei cedinho e movido por um incoercível impulso, peguei o telefone e comecei a discar o velho número do Solar dos Monte. Subitamente, dei por mim que não adiantava ligar, pois não ouviria mais, nunca mais a sua forte voz de homem do outro lado da linha, pois a casa estaria imensamente vazia com a sua eterna ausência, meu pai. Lentamente, com um gesto pleno de tamanha dor, desliguei o telefone e caí num choro desatado, lágrimas amargas lavando-me a face no claro- escuro do alvorecer.
Durante alguns longos e intermináveis minutos, que mais se assemelhavam a horas, permaneci ali parado, imóvel, pregado, sentado no sofá da sala, o corpo curvado em forma de vírgula, os olhos fixos no chão como se tentasse ver nos desenhos gravados nos mosaicos o seu rosto, meu pai, o seu rosto. O sol parecia não querer aparecer pelas frestas das persianas entreabertas nem para me desejar um bom dia sequer. Dizem que o sentimento da orfandade costuma apagar-se, esmaecer, diminuir à medida que o tempo continua a sua marcha infindável. Que bela e tola mentira. O meu só faz aumentar a cada dia que sobrevivo nesta mistura de vale de lágrimas e piquenique de escoteiros. A sua ausência me dói tanto, meu pai, me dói demasiado como em doença. De há muito faz que já não vou ao Solar dos Monte. Para mim, é como se ele não existisse mais, tragado pelo furacão da sua partida. Para mim, dá-me a mórbida impressão de uma casa morta desde o dia em que você morreu, meu pai. Coisas da minha cabeça, eu sei.
Quem sabe, medo não seja de enfrentar os velhos fantasmas das nossas gerações que a habitaram. Medo de nela entrar e me sentir um estranho, um forasteiro dentro daquelas paredes onde nasci, vivi a minha infância, a minha adolescência, a minha adultície. Talvez esse medo infantil de não lhe ver mais sentado em sua rede, a televisão ligada, o radinho de pilha grudado ao pé do ouvido, os jornais, as revistas, os livros espalhados pelo chão ao seu redor. Depois, íamos até a cozinha, você assando um suculento bife no fogão de lenha, as cervejas sobre a mesa e as nossas conversas intermináveis entre gargalhadas e os inevitáveis conselhos que você me dava sobe a vida, o presente, o futuro. Quantas saudades, meu pai. Quantas saudades vez em quando me acometem, me assaltam nas noites insones e solitárias. Uma solidão de você que não existe nesse mundo alguém capaz de preencher. Estou envelhecendo, meu pai. Qualquer dia a gente se reencontra, se existe realmente um lugar onde a gente possa se reencontrar.
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