Há alguns dias passados, não sei se vocês ainda guardam na memória, escrevi uma crônica sobre uma mulher desconhecida que me escrevia cartas de amor, cada uma delas mais cheia de paixão do que a outra. Pois não é que um de meus parcos leitores enviou-me uma mensagem eletrônica contando uma história que por demais causou-me espanto e admiração. Contou-me ele que um de seus amigos escreveu cartas de amor dedicadas à esposa que jazia em estado vegetativo durante longos e sofridos dez anos, até que finalmente ela morresse. Ao perguntar ao amigo por qual razão as guardava escondidas no fundo do baú sem jamais permitir que outros olhos as lessem, recebeu uma resposta seca. O autor das amorosas narrativas apenas disse que nunca mostrou-as a seu ninguém, nem mesmo aos filhos e amigos mais íntimos porque para ele todas as cartas de amor eram ridículas.
Após relatar-me tal fato, o leitor indagou-me se eu também partilhava da mesma opinião a respeito de cartas de amor. Para ser absolutamente sincero e fiel ao que penso, devo dizer que sim, mas não de todo. Claro que admito ser uma límpida verdade haver um certo quê de ridículo em toda carta de amor, mesmo havendo sido escrita por um escritor de raro talento. O ridículo faz parte essencial, imprescindível de uma carta de amor. Quando se escreve para o ser amado é quando se escreve livremente, sem medo de usar as palavras mais inusitadas da língua, inclusive as mais tolas, as mais chulas sem apelar para eufemismos e meias palavras desnecessárias. Numa carta de amor, a mais profunda intimidade do autor fica escancarada, com todos os seus segredos desvelados, perdidos todos os pudores. Uma carta de amor é uma espécie de escavação arqueológica da alma de quem a escreve, camada após camada, um legítimo, fiel, verdadeiro mapa do tesouro.
Para mim, uma carta de amor é como se fosse uma tomografia do espírito, se não exagero na metáfora, muito embora eu sempre exagere nas metáforas. Isso porque o amor é pródigo em exageros, em exacerbações dos sentimentos, pois se não for assim não é amor. Concordo plenamente com Alfred de Musset: “a vida é um sonho de que o amor é o sonho, e vós tereis vivido se houverdes amado”. E também faço meu um verso de Emily Dickinson: “que o amor é tudo o que existe/é tudo o que sabemos sobre o amor”. Portanto, numa carta de amor o ridículo carece de importância. Uma carta de amor não pode ser avaliada por nenhum dos padrões estéticos inventados pela humana mente. Uma carta de amor trata-se de um caso à parte em matéria de linguagem. E não se enganem com as aparências nem exigências da gramática e da ortografia.
Até os analfabetos fazem cartas de amor, ditando-as para alguém capaz de escrevê-las. Se todos nós temos o direito de cantar, por mais desafinados que sejamos, todos nós podemos escrever cartas de amor. Duvido que exista um único ser bípede e pensante que jamais escreveu uma carta de amor, mesmo as mais simples, sem arroubos. Pode não a ter enviado ao objeto do seu amor temendo ser ridicularizado ou sofrer uma rejeição. Mas que escreveu, escreveu. Equivocado está quem pensa serem as cartas de amor somente feitas de água com açúcar. Há cartas de amor repletas de ódios, de rancores, de queixumes, de lamúrias, do tradicional adeus para nunca mais. Por isso, meu caro leitor, não se deixe tolher pelo receio de parecer ridículo e escreva as suas cartas de amor de coração aberto, sentimentos à mostra feito uma fratura exposta.
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