terça-feira, 5 de abril de 2011

Airton Monte - Insônia 31 Mar 11

Airton Monte 31 Mar 2011 - Insônia


Ah, insônia, parceira indesejável das minhas inúmeras noites mal dormidas, me roubando o desejado descanso do sono como um punguista solertemente bate a carteira de um desavisado no aperto das latas de sardinha dos ônibus urbanos. Por que razão esconsa cumpres o teu desalmado intento de tornar-me impossível alcançar os umbrais do mundo encantado dos sonhos pelas madrugadas afora? Por que me escolheste, entre tantos alvos disponíveis, para com tua implacável e constante presença me torturares assim impiedosamente desde a minha mais remota infância? Por que insistes tanto em me bloquear os caminhos pacificadores que conduzem aos braços de Morfeu? Por que fazeres de mim a tua indefesa vítima preferida?


Quem sofre desse mal noturno conhece muito bem quão profundamente ele crava suas insidiosas garras na carne exposta do humano repouso que nem uma impiedosa ave de rapina, fazendo as noites parecerem longas demais, compridas demais, intermináveis demais. Se por acaso a insônia tivesse forma humana, diria eu, que muito dela padeço, seria inegavelmente a figura assustadora de um carrasco dos tempos medievais, aguardando o condenado ao pé do cepo com as mãos empunhando um enorme machado. É assim de tal modo travestida que ela fica à minha espera ao pé do leito quase todas as noites, que chego a me espantar quando consigo a graça de dormir um sono inteiriço feito um cantar de grilo.


De há muito faz que eu, mui sofrido viajor das noites em claro, sempre chego por demais atrasado ao cais de embarque de onde parte a noctívaga barca que navega, em abençoado silêncio, rumo a uma sonífera ilha onde todos dormem o pacífico e ansiado sono dos justos e dos pecadores. Sim, porque os pecadores também dormem apesar dos mal feitos cometidos, pois desconhecem as palavras culpa, remorso, consciência pesada. A insônia é muito pior do que a latejante dor de uma unha encravada, escorrendo pus e sofrimento. Saber que existem outros como eu a carregar o peso crucial desse madeiro hípnico de nada me serve de consolo. Minha insônia, infelizmente, é unicamente minha para meu crônico desgosto.


Outro dia me falou um amigo, um desses afortunados que logo caem em sono profundo mal encostam a cabeça no travesseiro, que as pessoas acometidas de insônia habitual são dotadas de uma tendência a serem exageradamente otimistas antes de tomar seja lá qual for uma decisão. Por pensarem que tudo que tentarem fazer vai dar naturalmente certo, se arriscam mais tanto na vida pessoal como na profissional. Ao questionar por que pensava desse modo, se ele próprio não sofria de insônia, respondeu-me que viciados em jogo, após algumas horas sem dormir, continuam apostando sem parar até perder as calças. Pra mim, isso não passa de formidanda balela, pois se verdade fosse, seria eu um otimista profissional a ver o mundo sempre pintado de azul com bolinhas brancas. Não sou otimista nem pessimista. Sou realista. Vejo o mundo tal qual é e nem por isso deixo de ser mais um insone.

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