Estou com saudades da antiga casa onde morei durante longos 16 anos, da rua José Sombra, dos vizinhos, da calma que reinava aos fins de tarde de domingo. Ainda não me acostumei de todo com a nova moradia, da qual, por enquanto, não me arrisquei a explorar os arredores. Entanto, bem sei que toda mudança traz consigo boas coisas e coisas ruins e é um tanto quanto difícil habituar-se às inevitáveis diferenças. Os amigos não param de telefonar, me convidando para sair, espairecer os pesados ares que pairam sobre minha cabeça. Porém, vontade não tenho nenhuma de botar os pés fora de casa. Acho que virei um ermitão por esses dias, mergulhando numa solidão forçada que não é própria de mim, mormente aos sábados e domingos, quando me aperta a saudade dos bares prediletos e das conversas sem fim com quem divido o copo e o afeto.
Escrevo afagado pela brisa mansa do quintal, enquanto a tarde se encomprida já com os braços abertos para a chegada do anoitecer. Ao meu lado, minha mulher vasculha os jornais em busca de notícias que prenunciem o desencadear de um novo apagão. Estou tão caseiro que só me falta vestir um pijama de listas e calçar pantufas, sem esquecer do radinho de pilha grudado ao pé do ouvido. Um adorável odor de carneiro assado se espalha pelo ar vindo de um restaurante próximo e carros vão e vêm cheios de fregueses habituais e turistas. De qualquer modo, não posso afirmar que o dia esteja transcorrendo num clima desagradável apenas por restar em casa, sentado a uma mesa, escrevendo o que me vem à cabeça, ao invés de haver ido passear pela cidade, descobrindo novidades, aproveitando o domingo, como muita gente está fazendo agora.
Engraçado, daqui da nova casa, consigo ouvir o carrilhão dos sinos da Igreja dos Remédios convocando os fiéis para a missa das cinco, o que me dá uma boa sensação de familiaridade. Paro por alguns minutos o que estou fazendo e me deixo a ouvir os sinos como se rezasse. Isso me faz pensar no que diz Dona Lúcia Dummar:será que minha religiosidade está voltando? Sinceramente falando, não sei se seria bom ou mau para este suburbano escriba a esta altura da existência. Porém, não é nada que cause grandes preocupações diante de tantas outras inquietações terrenais que me corroem a alma. Questões e problemas que infestam meu cotidiano e que não me dão mais tempo para pensar em mais nada a não ser na sua pragmática resolução. Mas, viver é assim mesmo, com marés cheias e marés secas, tempestades e calmarias e que é preciso, como um velho marinheiro, ir levando o barco devagar.
Na verdade, penso que estou com saudade de tudo que deixei pra trás. Para ser mais preciso, acho que estou mesmo é com uma saudade agoniada de mim, de como eu era e estava há uns três meses atrás. É, por vezes, a gente sente saudade da gente. Outrossim, de que me adianta ficar chorando, macambúzio pelos cantos, se a vaca foi pro brejo e eu não nasci com vocação para caubói? Pior seria se eu não sentisse nada, se minhas todas emoções de súbito congelassem e me transformassem a alma numa geleira glacial. A vida continua seguindo seu ritmo cá dentro e fora de mim com seus prazeres, alegrias, tristezas e angústias habituais. Isto é o que se chama da velha condição humana. Mas que me vem um desejo de beber até o mais profundo esquecimento, de ser, por esta tarde a goela sedenta da cidade inteira. Ah, isso dá. Porém não posso, não devo, não quero.
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