terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Airton Monte - 8 de Fevereiro de 2011


Eu juro que sim, por Deus do céu e tudo quanto é mais sagrado nesse mundo e no outro, que há certas coisas predestinadas a acontecerem somente comigo e geralmente de uma maneira absolutamente inexplicável. Coisas que me sucedem sem que eu delas careça, as deseje ou as peça a não sei qual entidade. Outro dia, chegou-me às mãos uma dessas pesquisas surpreendentes ou não tanto, realizada não sei onde e feita por não sei quem (na Internet se acha cada coisa) sobre os hábitos de leitura do varonil povo brasileiro. Pelos meus olhos incrédulos passou uma relação de números cruéis, implacáveis, inacreditáveis, que me revelaram uma pobre nação de apedeutas pertencentes a todas as classes sociais, sem exceção.

Imaginem que 50% da nossa pátria população, que ainda sabe ler, não lê sequer revista de quadrinho, quanto mais livros. O restinho que pratica o ato da leitura, o faz muito mais por alguma imposição estudantil do que exatamente por puro deleite e prazer. Além do mais, pra piorar consideravelmente a situação, apenas uns míseros nove por cento dos que se afirmam letrados são capazes de meter a mão no bolso e comprar um livro regularmente, por mais barato que seja. E uns escassos sete por cento pegam num livro para desfrutá-lo. Isso sem falar num porrilhão de gente que jamais adquiriu na vida um simples jornal, uma mera revista, um prosaico álbum de figurinhas.


Mesmo nas classes mais abastadas, em que dinheiro não é problema, a ojeriza à leitura permanece sendo mais a regra do que a exceção. Portanto, devo concluir que tamanho analfabetismo cultural não é somente fruto de diferenças sociais. Por ordem de preferência popular, os autores mais lidos no Brasil são aqueles dos manuais de auto-ajuda, de livrinhos de caubói e de historinhas açucaradas de amor vendidos em banca de jornal e, claro, o indefectível Paulo Coelho. Não sei, talvez seja por uma crônica falta de intimidade com a leitura, que qualquer fulano capaz de alinhavar duas ou três frases num papel vai logo sendo rotulado impunemente de escritor, com toda a pompa e circunstância de que se acha merecedor e não demora a pleitear um lugar em uma de nossas várias academias.


E pela enxurrada de lançamentos de livros que inunda nossa Taba de Alencar, bem que Fortaleza merece ostentar o título de cidade com mais escritores por metro quadrado do mundo, merecendo entrar com louvor e mérito no livro Guiness de recordes. E haja uma galopante inflação de primas obras perpetradas por poetinhas imberbes, matronais senhoras, provectos senhores que acabam sendo citados nos jornais como grandes autores da moderna literatura cearense. Lançam, todos os dias do ano, sugestivos títulos como Baú de Recordações, Coivara de Letras, O Último Burro, Respingos de Felicidade Conjugal, Pomar de Sonhos, A Lira Esplendorosa e outras barbaridades que tais. Todos se consideram gênios da raça. Vivemos atualmente um torturante dilema de mercado, numa terra onde os “escritores” são infinitamente mais numerosos que os leitores.

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