sábado, 11 de abril de 2015

Reedição de uma crônica antiga - 11 Abr 2015

Verossimilhança, momento fatal - Crônica - A Ermitoa - 17 de Setembro 2014 A Ermitoa Morava sozinha, os parentes mais próximos já haviam todos cumprido a sina mais certa que é a morte. Essa mulher já com uma idade na qual ninguém sabia ao certo, nem mesmo ela, mais sabiam todos que ela era uma amanuense aposentada, fato que denunciava o avanço de sua idade. Mantinha uma amizade amistosamente distante com seus vizinhos e na sua casa quase nunca ou nunca mesmo recebia nenhum conviva. Os mais próximos, ou os menos distantes, sabiam que em seu lar, as principais companhias eram um sem número de gatos que vagabundeavam na pequena choupana. Dizem as más línguas que a quantidade de felinos diminuíra significativamente nos últimos anos, por pura falta de zelo de sua dona! Os anos de serviço na repartição pública não permitiu que ela construísse grande patrimônio, não fora a pequena casa herdada de seus pais, não teria outro bem semovente ou não. Sua rotina era extremamente simples, mais ainda para uma pessoa que morava só, tinha um fogão em casa mas não usava quase nunca, suas refeições eram feitas num pequeno restaurante suburbano que religiosamente era freqüentado por ela de domingo a domingo, chovesse ou fizesse sol. Os afazeres domésticos eram evitados por ela, realizando tarefas básicas como lavar as poucas roupas de seu enxoval uma vez por semana! Dormia poucas horas a noite,passava muitas horas da noite diante da televisão, complementava as necessidades do sono da noite, nas primeiras horas da tarde de todos os dias! Fazia parte de sua bestial rotina, as caminhadas aleatórias pelas principais ruas do bairro, caminhava descompromissadamente por muito tempo sem maiores preocupação com o tempo! Nesse itinerário quase não interagia com os transeuntes que cruzavam seu caminho, só acenava discretamente para aqueles que julgava mais próximos e confiáveis. De uns tempos para cá a solitária adquiriu o hábito de fazer uso do álcool para preencher as horas do vazio no que fazer! Cumpria suas obrigações etílicas discretamente na solidão do lar, não queria que seus vizinhos dessem alguma notícia desse seu condenável ato. Nos finais de semana era um “rato de sacristia” não perdendo um evento sequer de sua Igreja Católica quase vizinha a sua residência. Nesses dias de cerimônias religiosa, mantinha uma certa cautela nas ações etílicas, precavida de dá bandeira diante os fiéis que a tinha na conta dos mais respeitáveis crentes. E assim se fazia a rotina da solitária mulher, sem parentes ou aderentes, sem muitos afazeres domésticos e tendo como companhia uns gatos rabugentos, o álcool e a fé. Sem exteriorizar suas angústias existenciais de uma vida extremamente solitária e sem maiores ambições!

domingo, 5 de abril de 2015

Conto - Literatura Cearense - Milton Dias - Madrugada I

Homenagem a Literatura Cearense- Um conto do excelente literato Milton Dias - - Extaído do livro ENTRE A BOCA DA NOITE E A MADRUGADA Madrugada I É madrugada, a última deste mês de setembro, e eu mergulho nela sozinho, numa sala pequena, dentro do silêncio grande, que o apito dum guarda desrespeita de vez em quando – e cumpro cautelosamente mais uma insônia, entre lembranças velhas e novas. Uma dessas, a mais antiga, vem dos longes da infância, ainda ao tempo das trevas que a luz elétrica só dissipou muito depois, em Santana do Acaraú: um carro atravessa lentamente a praça enorme da igreja velha, com os faróis queimando a noite jovem – e, de dentro dele, uma bonita voz de homem, voz anônima, forte, lírica, perdida, solta, derrama uma despedida dramática certamente dirigida à bem-amada que o devia escutar soluçando de alguma janela: “Eu vou pra bem longe de ti saudosamente / Adeus minha querida / Querida Guiomar / Adeus, eu vou partir, vou pelo mar.” Quem seria aquela mulher (seria uma mulher ou apenas uma rima?). De quem seria aquela voz que só ouvi uma vez e me transmitiu uma imensa vontade do mar, meu desconhecido, uma grande nostalgia das distâncias, dos mistérios do mundo, deixou-me a imaginação indócil, enquanto o carro, levantando poeira, desaparecia na rodagem, exatamente ali onde um pé de resedá marcava a curva do caminho? Onde andará aquele cantor? Aquela moça onde andará? Será que se uniram? Acabo de ler um trecho de diário alheio e fico pensando que a leitura dos diários me comove mais do que as autobiografias ou as biografias, me parece mais verdadeiro este registro cotidiano dos acontecimentos, dos pensamentos, dos sentimentos – as penas e alegrias, as depressões, as angústias, as vitórias, os fracassos, os amores – tudo posto ali com uma coragem impressionante, os momentos mais íntimos, as horas difíceis, os pequenos dramas, as covardias, os heroísmos, as emoções de cada dia, os medos, os ódios, os ressentimentos, tudo confiado ao papel. E chegada a página final, a pergunta amarga, inevitável – será que valeu a pena registrar assim, minuciosamente, conscientemente, uma vida toda, para depois entregar tudo ao respeitável público (nem sempre respeitador), como quem se desnuda no palco? E vem outra reflexão tácita – a de que aquele que escreveu o Diário, que também teve fome e sede, que conheceu glória e humilhação, que sofreu ambições e se frustrou em muitas delas, e se realizou em algumas, aquela vida que está em minha mão, escrita no papel frio, repousa agora debaixo do chão, já resolveu todos os seus problemas e conflitos terrenos, dorme em paz com Deus. Abro por acaso uma das páginas, vejo uma preocupação momentânea que o martirizou tanto e que agora parece tão mínima! Penso que daqui a pouco será outubro e fico triste. Outubro não me agrada, nem é começo, nem meio, nem fim de ano, o mais antipático de todos, poeirento, calorento. Nele perdi meu pai, nele perdi um amigo – é certamente o que mais me tem cobrado apreensões e sofrências. As paredes desta sala onde me encontro foram testemunhas de outras insônias e as mãos dos que as fizeram levantar já estão vazias definitivamente. Esta mesma pequena sala que agora abriga um homem insone já recebeu noivos para as comemorações e cumprimentos, já acomodou o corpo morto do seu dono, esta sala ouviu conversas e queixas, discussões, esperanças e prantos. A casa toda, em que estou absolutamente só dentro da madrugada, já foi povoada de muitas vozes e de muitos passos de jovens e velhos que desapareceram carregados pela morte ou levados pela vida. Há um silêncio respeitoso e tranqüilizante envolvendo, purificando o mundo, velando, protegendo o sossego e o sono, um silêncio discreto que esconde o que agora ocorre nas sombras protetoras. Quem sabe, alguém está se matando neste momento, alguém deve estar amando neste minuto. Tem gente chegando, tem gente partindo, a esta hora a população está crescendo. Ou está diminuindo? Abro um instante a janela, consulto o céu: não há uma estrela, fugiram todas, me deixaram no mais completo abandono. Nem posso imitar o poeta que conversou com elas toda a noite, tresloucado amigo. Agora um galo solitário solta um grito precursor, distante – será mesmo hora de cantar anunciando a aurora, ou será um galo tresmalhado, desinsofrido? Olho o relógio, são duas horas da manhã, concluo rápido: aquele também está sem sono – e canta. Um latido inesperado de cachorro se levanta aqui na Praça da Escola Normal. Será um protesto ou um apelo, uma queixa ou uma denúncia, um lamento, um convite ou apenas a voz dum cão que não dorme? Escuto religiosamente os silêncios e as vozes da madrugada – enquanto a minha rua dorme, eu guardo, sozinho, de olhos acesos, a insônia fecunda. Entre a boca da noite e a madruga – 1971

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Conjunção Feliz - David Duarte

Conjunção Feliz - Canção de David Duarte Eu e Vc num balão Sumindo, de tanto voar Levando a nossa paixão Seguindo pra qualquer lugar Fantasia, na magia O balão de papel já se perdeu Que alegria, um pontinho Brilhando no breu... Olha que conjunção Mais linda meu amor Dentro do meu coração A lua veio se por Nosso sonho do tamanho Do céu infinito Nosso lugar mais bonito Das estrelas que querem Brilhar só pra nós dois Nosso balão vai subindo, singrando Levando esse amor do outro mundo Cruzando o céu do país Nosso balão colorido vai iluminando Este escurando profundo, perdido Voando ao léu, tão feliz.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Crônica: Os Mapas da abstração - 30 de Janeiro 2014

Como são mágicos os mapas! Como é importante essa ferramenta de orientação e localização. Tão importante para que se chegue ao destino mesmo sem nunca ter ido a ele! Não precisa nem ser um esperto em Geografia, cartografia ou Matemática para poder se situar sob orientação de um mapa. Ah como o estudo sobre a localização na terra foi importante para os colonizadores! Como seria possível aos ibéricos terem chegado por essas terras não fosse o estudo cartográfico do planeta terra? A posição de um astro no firmamento serve de referencial para o posicionamento. Qual será o asteróide que me guia? Desde quando ele me acompanha? Por que eu não percebi sua presença nas cercanias de minha visão periférica? Bobagem fazer todos esses questionamentos, ficar impressionado com tais fatos, uma vez que a cada dia que passa me torno mais solitário, um ermitão. Para que vou me impressionar com artefatos de atlas, se ultimamente quase não saio mais nem de minha casa?! Daqui a pouco me tornarei um imóvel , um imóvel qualquer da casa , tal qual uma geladeira, estou tão frio por dentro e por fora do que uma geladeira estática num canto da cozinha da casa. Para quê mapa se não há necessidade de seu uso nesse meu pequeno tugúrio? Impossível me perder entre estas quatro paredes encardidas pela ação do tempo! Na verdade me perco dentro de mim mesmo, procuro encontrar poemas que eu compus há tempos atrás e não tomei nota, nem recordo como era sua estrutura! Esses se perderam pelo universo gigantesco de minhas divagações abstratas diárias. Perdeu-se ainda em meu cérebro, o acorde de uma canção antiga que eu gostava de ouvir nas horas de ócio. Fugiu também de minha mente a imagem daquela antiga paixão juvenil, não consigo restituir as peças que formavam o rosto daquela jovem, era bela sua feição, isso eu lembro bem, mas mesmo assim não consigo montar sua fotografia, só uma quase caricatura espessa. Preciso de um mapa, mas não de um mapa tradicional e metódico. Um mapa em que eu encontre as conexões psíquicas desfeitas, uma solução para os embates ao longo da vida. Um mapa que refaça afetos, que forneça coordenadas para outras paragens sossegadas dentro de mim mesmo. Um lugar oculto e plácido dentro do meu eu e da noite. Um GPS que encontre o Eldorado íntimo e objetivo onde emana prosperidade e paz. Talvez o homem ainda não tenha encontrado encontrou a solução para isso, mas a longo prazo, quem sabe, seja possível se construir a cartografia psicológica humana e assim usarei de verdade um mapa.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Crônica : Solidão de uma Manhã Qualquer - 23 de Janeiro 2015

Calmo, silente no meu lugar, estou solitário em casa refletindo a respeito da vida. Compartilho, automaticamente, esse pequeno lugar tão meu e tão solitário com meus anjos e demônios do dia-a-dia. Começo a fazer questionamentos vários. Algumas inquirições a mim mesmo. Seria possível colher num mesmo local, todas as cenas que ocorrem mundo afora nesse momento? Teria sentido ver todas as cena s e atos de todos tantos lugares dessa bolota chamada Terra?  Como em um filme cujas cenas exporiam  todos os fatos acontecidos no entorno desta esfera habitável por nós e por outros .  Há uma lauta variedade de fusos horários, locais, paisagens, lugares. Tudo diferente, assim como culturas, fatos e ações, pessoas várias. Provavelmente em algum lugar do mundo, a essa hora, alguém dorme um sono profundo, um sono bom e tranqüilo. Enquanto em outro lugar, uma alma insone tenta conciliar o sono numa tarefa hercúlea da madrugada alta. No lar de algum país desse vasto mundo  ocorre um farto banquete,  mas em outro  lugar qualquer desse mesmo país,  um sem número de famélicos esperam as sobras de um restaurante suburbano, às três da tarde. Enquanto um atleta percorre uma ultra maratona esbanjando saúde, em algum leito de hospital uma jovem agoniza esperando a hora fatal com o corpo carcomido por muitas mazelas. Há ainda a essa exata hora um funcionário bastante atarefado trancado numa sala burocrática em meio a arquivos, papeis e carimbos, enquanto que no mesmo instante,  não muito distante daí, um homem simples realiza a prazerosa tarefa de pescar num lago de águas tranquilas e serenas, completamente desprendido de preocupações maiores. Também a essa hora, numa estação de pesquisa científica na Patagônia, alguém trabalha bastante agasalhado para enfrentar a baixíssima temperatura. Contraditoriamente, em outro lugar, trabalhadores da construção civil buscam um filete de sombra para se protegerem do intenso calor emanado dos raios solares. Ainda a essa hora um bebê nasce em uma maternidade qualquer da Nigéria, enquanto na Suécia , uma esquife cruza os portões de um cemitério suburbano  no ato final de um sepultamento. No momento igual, há um conflito armado no Camboja, enquanto ocorre um casamento coletivo no Canadá. No mesmo instante, empresas decretam bancarrota  enquanto simultaneamente  uma mulher confere um bilhete de loteria premiado com uma grande monta. .  

Tudo ocorre ao mesmo tempo, fenômenos sociais  opostos ocorrem em várias partes do mundo. Simultaneamente a essa hora há dores e prazeres, lágrimas e sorrisos, ódio e amor, altruísmo e egoísmo . Fadiga e ócio, lassidão e disposição corporal. Onipresença, queria ter essa capacidade, talvez até tivesse mais inspiração para terminar  um livro que venho trabalhando a anos! Enquanto penso nesses fatos,  me vejo preso solitariamente ao vazio do meu  tugúrio numa manhã qualquer da semana, o relógio marca dez horas. Há livros na minha estante,  não li nem a metade deles. Em cada cômodo da casa solitária há um cinzeiro cheio de guimbas fétidas, há uma angústia poética em cada cinzeiro. Há em mim uma vontade da onipresença, o desejo de um poder fantástico e absurdo do ponto de vista científico. Na realidade, existe esse desejo em mim, porém  o ócio me limita até minha ida a esquina numa busca desnecessária de cigarros. É muito despautério de minha parte ter tal pretensão. 

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Crônica: Epitáfio e Pecúlio - 15 de Janeiro 2015


A morte quase sempre nos pega sem esperar e eis que de repente chega a notícia de falecimento de um ou outro conhecido, amigo, parente ou vizinho. Ontem eu fui acompanhar um funeral de um morador cujo tugúrio se avizinha ao  meu, senti-me na obrigação de  cumprir esse ato de piedade cristã, inevitável não acompanhar o cortejo fúnebre até o campo santo.Tudo é estranho nessa nossa vida, pois até ontem o defunto ( que a essa hora ainda não era um) fazia planos e mais planos para o futuro. Falava em projeções, projetava empreendimentos, viagens, outros planos a longo prazo.
Eis que o cortejo segue,  o sepultamento foi no meio da tarde, tarde de sol dentre tantas tardes de sol ocorridas na existência daquele homem agora morto.A procissão dos que acompanhavam o caminho do cemitério, era feita em meio a ladainhas e jaculatórias. No cortejo quase todas as pessoas trajavam roupas pretas, apesar do calor daquela hora da tarde, homens sisudos e mulheres lacrimosas. O conglomerado caminhava unido, em cada pensamento dos ali presentes, pairavam dúvidas e incertezas quanto a instituição da morte. Todos ali, por um momento, pensavam em suas mortes. A marcha continua, o ataúde vai a frente liderando os passos de todos rumo ao campo santo.
Finda a cerimônia resolvi percorrer as ruas do cemitério em busca de túmulos de parentes e ou amigos. A ausência prolongada de minhas estadas por esse ambiente fez com que aumentasse a dificuldade em encontrar tais catacumbas, nessa busca encontrei vários túmulos, dos mais variados tipos, uns mais bem erigidos arquitetonicamente, outros modestos, quase sem identificação de nome ou fé, somente as inicias de cada nome e uma modesta cruz,  me detive entre tantos eles, fiz orações em outros, desconhecidos ou nem tanto, colhi epitáfios, fiz reflexões sobre tais frases e lembrei que eu ainda não tinha nenhum epitáfio para  por sobre minha laje. Divaguei sobre tal fato e estranhei por  ser este meu único bem a ser deixado em testamento , um epitáfio, este será meu único pecúlio deixado em testamento cartorial! Ilusão minha.  Seria mesmo necessária uma frase de efeito para por sobre minha lápide? A quem poderia interessar? Nem mesmo um visitante desavisado ao cemitério se interessaria por isso.  Ora, se ninguém nunca se interessou nem pelos meus quatro sonetos alexandrinos que sempre divulguei na mesas de bares que perambulei, por que iam se interessar por uma frase escrita sobre um lápide de cemitério? É muita inocência crer em tais circunstâncias.

  

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Espírito de Natal - 24 de Dezembro 2014

Logo mais irá nascer Jesus, e a lembrança de seu nascimento em cada ano é uma forma de reforçar nossa esperança na crença de sua mensagem transcendente.O Jesus que será traído por uma pessoa de usa confiança. Jesus era um líder cercado de seguidores á época  era difícil achá-lo já naquele tempo,  só o beijo o denunciaria, só o beijo. Judas se dispôs a isso. Coitado de Judas!  Nem ele, talvez se compreendesse!  O que ele achava, dizem os historiadores,  e que Judas não tinha importância,  Judas não acreditava que Jesus pudesse ser preso, que Jesus não reagisse,  que aquele homem capaz de milagres,  de repor a orelha do soldado depois de decepada , Judas acreditava que aquele Jesus era inatingível, e fez aquilo, dizem os diagnósticos e prognósticos dos antigos , da certeza de que aquela que dele se aproximasse , seria fulminada pelas forças dignas, mas Judas estava errado! O que Jesus era mesmo, era um missionário, e para a humanidade ele vai nascer nas próximas horas e vai ter um destino a seguir: de muito sangue, de muita dor, de muitas lágrimas, passará por tudo, irá  a cruz, dirá frases lapidares e terminais, porque a humanidade disso estava precisando. É o verdadeiro filho de Deus, o que vai nascer, nascerá o filho de Deus,  Nos incrédulos, naquelas pessoas que acham que a incredulidade é a ciência, para os incrédulos, não! Não é possível consertar a orelha de soldado algum! Ninguém jamais caminhará sobre as águas, Jesus parar uma tempestade, mas para os falsos e cientistas inadequados, ninguém a força da natureza nem a domina, ninguém poderá dizer jamais : Parai ventos e tempestades! Não, ninguém poderá dizer isso, isso é contra a ciência! Ninguém vai acreditar que seja possível despertar o leproso já apodrecendo. Ó Lázaro, leva-te  e anda! Lázaro levantou, andou, viveu e terminou tragicamente em algum lugar do mundo de então. Não, na cabeça dos que dizem assim: Eu fico com a ciência, isso não cabe! Mas para as pessoas que encontraram a partícula de Deus, para os cientistas, notadamente os físicos,  que identificam Deus na própria energia do mundo e na própria criatura humana todos nós temos a partícula de Deus. E Jesus era essa partícula. Para estes existe uma mecânica celeste, nenhum historiador poderá saber que mecânica celeste é esta. Só na alta ciência que ainda virá, mas que já está chegando, é que se vai entender que mecânica é esta.  Como é que Jesus se locomovia de maneira tão rápida? Que voz tinha que podia de um alto de uma montanha , falar para os circunstantes que se amontoavam nas vizinhanças?   Que voz era esta? Sem microfone, sem caixa de som, sem amplificadores? Que voz era esta no sermão da montanha ? E aquela história da transfiguração? O que vai nascer nas próximas horas vai se transfigurar! Que vai ter encontros com espíritos antigos! Que são importantes e sempre serão importantes para a humanidade.  Que coisa é a mecânica celeste!  Essa mecânica celeste existe como um ponto perdido no além!  Muito além da inteligência humana! Não na região onde a alma humana se funda, em  qeu o espírito cresce e prevalece, no horizonte que cada vez mais se aproxima, existe o segredo desse que vai nascer nas próximas horas. Por enquanto é preciso guardar o que esse menino vai dizer logo que começar a ter condições de homem. Esse menino, danado menino, incrível menino, vai ensinar coisas como a fraternidade. Ele ensinará a caridade, ele vai mostrar ao homem como é possível  ter solidariedade , e mais ainda, vai mostrar uma maior por todos, como um valor químico para a humanidade. Vai ensinar o amor por todos, e vai mostrar que os sentimentos humanos é que são a nossa bússola, o nosso Norte. Quando o homem não tem sentimentos, tem que cumprir estada em consultórios psiquiátricos. Quando não se sente saudade, quando não sente amor, quando você não tem vontade de reagir para defender o amigo humilhado, quando isso não é possível, você está doente! E Jesus veio para ensinar a própria sabedoria que é a Filosofia prática do mundo, a Filosofia do dia a dia. Esse menino será traído, vai se fundar uma igreja e muitas igrejas serão fundadas sobre os braços de sua cruz de sacrifício. 

Em nome deste que morrerá na cruz, nós teremos tribunais de exceção, tribunal do Santo Ofício,  nós iremos presenciar guerras, matanças, em nome dele, em contraponto de sua Filosofia! Em nome dele haverá a Santa Inquisição. Tudo haverá de distorção contar essa criança traída, este home traído, esse adolescente desconhecido. Quem teria sido Jesus por todos anos? Sem ninguém falar nele! Ainda hoje não se sabe! Mesmo assim haverá um novo século,  o século XiX,  e no cenário deste século, depois da Revolução Francesa,  irão se projetar pessoa extraordinárias: Balzac, Voltaire, Robespierre, Napoleão; quanta gente  vai surgir, grandes poetas, grandes filósofos, Augusto Conte, existirá nesse século XIX. Mais vai se estudar em matéria de filosofia tudo, exatamente nesse século XIX, Mas sairá de uma sala de aula um professor de nome Rivail, e este professor, um homem igual a todos,  com família, com mulher, com amigos, circunstantes , este homem mudará de nome, será chamado de Alan Kardec e produzirá uma obra revolucionária, tão revolucionária será esta obra que vai reconstituir a palavra de Cristo, vai reinterpretar o novo testamento! Vai recriar as principais lições, restaurará a ética do menino que vai nascer amanhã, esse Alan Kardec vai recuperar  a mensagem de Cristo para que ela possa chegar ao século XX , ao século Xxi e aos tempos do futuro  para que Jesus ressurja intacto, livre das injustiças, livre das más interpretações, das péssimas setas, de odiosas religiões, e apartir daí não haverá mais inquisição nenhuma , não haverá mais tribunal de Santo Ofício, e se alguém quiser  ser papa, vai ser o Papa Francisco, que é humilde, que é bom, que é justo e que é próximo de Jesus. Talvez seja assassinado um dia por causa disso! 

sábado, 13 de dezembro de 2014

Conto - A mais linda mulher da cidade – Charles Bukowski -

Uma homenagem a dos meus escritores preferidos Charles Bukowski, talvez o mais "maldito" e o mais incompreendido dos escritores da Literatura Universal. Seus personagens são todos alter-egos dele mesmo e que assemelham muito comigo também, daí eu gostar tanto de seus escritos!! Vale a pena a leitura desse conto!!



A mais linda mulher da cidade – Charles Bukowski -

Das 5 irmãs, Cass era a mais moça e a mais bela. E a mais linda mulher da cidade. Mestiça de índia, de corpo flexível, estranho, sinuoso que nem cobra e fogoso como os olhos: um fogaréu vivo ambulante. Espírito impaciente para romper o molde incapaz de retê-lo. Os cabelos pretos, longos e sedosos, ondulavam e balançavam ao andar. Sempre muito animada ou então deprimida, com Cass não havia esse negócio de meio termo. Segundo alguns, era louca. Opinião de apáticos. Que jamais poderiam compreendê-la. Para os homens, parecia apenas uma máquina de fazer sexo e pouco estavam ligando para a possibilidade de que fosse maluca. E passava a vida a dançar, a namorar e beijar. Mas, salvo raras exceções, na hora agá sempre encontrava forma de sumir e deixar todo mundo na mão.

As irmãs a acusavam de desperdiçar sua beleza, de falta de tino; só que Cass não era boba e sabia muito bem o que queria: pintava, dançava, cantava, dedicava-se a trabalhos de argila e, quando alguém se feria, na carne ou no espírito, a pena que sentia era uma coisa vinda do fundo da alma. A mentalidade é que simplesmente destoava das demais: nada tinha de prática. Quando seus namorados ficavam atraídos por ela, as irmãs se enciumavam e se enfureciam, achando que não sabia aproveitá-los como mereciam. Costumava mostrar-se boazinha com os feios e revoltava-se contra os considerados bonitos — “uns frouxos”, dizia, “sem graça nenhuma. Pensam que basta ter orelhinhas perfeitas e nariz bem modelado… Tudo por fora e nada por dentro…” Quando perdia a paciência, chegava às raias da loucura; tinha um gênio que alguns qualificavam de insanidade mental.

O pai havia morrido alcoólatra e a mãe fugira de casa, abandonando as filhas. As meninas procuraram um parente, que resolveu interná-las num convento. Experiência nada interessante, sobretudo para Cass. As colegas eram muito ciumentas e teve que brigar com a maioria. Trazia marcas de lâmina de gilete por todo o braço esquerdo, de tanto se defender durante suas brigas. Guardava, inclusive, uma cicatriz indelével na face esquerda, que em vez de empanar-lhe a beleza, só servia para realçá-la.

Conheci Cass uma noite no West End Bar, Fazia vários dias que tinha saído do convento. Por ser a caçula entre as irmãs, fora a última a sair. Simplesmente entrou e sentou do meu lado. Eu era provavelmente o homem mais feio da cidade — o que bem pode ter contribuído.

— Quer um drinque? — perguntei.

— Claro, por que não?

Não creio que houvesse nada de especial na conversa que tivemos essa noite. Foi mais a impressão que causava. Tinha me escolhido e ponto final. Sem a menor coação. Gostou da bebida e tomou varias doses. Não parecia ser de maior idade, mas, não sei como, ninguém se recusava a servi-la. Talvez tivesse carteira de identidade falsa, sei lá. O certo é que toda vez que voltava do toalete para sentar do meu lado, me dava uma pontada de orgulho. Não só era a mais linda mulher da cidade como também das mais belas que vi em toda minha vida. Passei-lhe o braço pela cintura e dei-lhe um beijo.

— Me acha bonita? — perguntou.

— Lógico que acho, mas não é só isso… é mais que uma simples questão de beleza…

— As pessoas sempre me acusam de ser bonita. Acha mesmo que eu sou?

— Bonita não é bem o termo, e nem te faz justiça.

Cass meteu a mão na bolsa. Julguei que estivesse procurando um lenço. Mas tirou um longo grampo de chapéu. Antes que pudesse impedir, já tinha espetado o tal grampo, de lado, na ponta do nariz. Senti asco e horror.

Ela me olhou e riu.

— E agora, ainda me acha bonita? O que é que você acha agora, cara?

Puxei o grampo, estancando o sangue com o lenço que trazia no bolso. Diversas pessoas, inclusive o sujeito que atendia no balcão, tinham assistido a cena. Ele veio até a mesa:

— Olha — disse para Cass, — se fizer isso de novo, vai ter que dar o fora. Aqui ninguém gosta de drama.

— Ah, vai te foder, cara!

— É melhor não dar mais bebida pra ela — aconselhou o sujeito.

— Não tem perigo — prometi.

— O nariz é meu — protestou Cass, — faço dele o que bem entendo.

— Não faz, não — retruquei, — porque isso me dói.

— Quer dizer que eu cravo o grampo no nariz e você é que sente dor?

— Sinto, sim. Palavra.

— Está bem, pode deixar que eu não cravo mais. Fica sossegado.

Me beijou, ainda sorrindo e com o lenço encostado no nariz. Na hora de fechar o bar, fomos para onde eu morava. Tinha um pouco de cerveja na geladeira e ficamos lá sentados, conversando. E só então percebi que estava diante de uma criatura cheia de delicadeza e carinho. Que se traia sem se dar conta. Ao mesmo tempo que se encolhia numa mistura de insensatez e incoerência. Uma verdadeira preciosidade. Uma jóia, linda e espiritual. Talvez algum homem, uma coisa qualquer, um dia a destruísse para sempre. Fiquei torcendo para que não fosse eu.

Deitamos na cama e, depois que apaguei a luz, Cass perguntou:

— Quando é que você quer transar? Agora ou amanhã de manhã?

— Amanhã de manhã — respondi, — virando de costas pra ela.

No dia seguinte me levantei e fiz dois cafés. Levei o dela na cama.

Deu uma risada.                                    

— Você é o primeiro homem que conheço que não quis transar de noite.

— Deixa pra lá — retruquei, — a gente nem precisa disso.

— Não, pára aí, agora me deu vontade. Espera um pouco que não demoro.

Foi até o banheiro e voltou em seguida, com uma aparência simplesmente sensacional — os longos cabelos pretos brilhando, os olhos e a boca brilhando, aquilo brilhando… Mostrava o corpo com calma, como a coisa boa que era. Meteu-se em baixo do lençol.

— Vem de uma vez, gostosão.

Deitei na cama.

Beijava com entrega, mas sem se afobar. Passei-lhe as mãos pelo corpo todo, por entre os cabelos. Fui por cima. Era quente e apertada. Comecei a meter devagar, compassadamente, não querendo acabar logo. Os olhos dela encaravam, fixos, os meus.

— Qual é o teu nome? — perguntei.

— Porra, que diferença faz? — replicou.

Ri e continuei metendo. Mais tarde se vestiu e levei-a de carro de novo para o bar. Mas não foi nada fácil esquecê-la. Eu não andava trabalhando e dormi até às 2 da tarde. Depois levantei e li o jornal. Estava na banheira quando ela entrou com uma folhagem grande na mão — uma folha de inhame.

— Sabia que ia te encontrar no banho — disse, — por isso trouxe isto aqui pra cobrir esse teu troço aí, seu nudista.

E atirou a folha de inhame dentro da banheira.

— Como adivinhou que eu estava aqui?

— Adivinhando, ora.

Chegava quase sempre quando eu estava tomando banho. O horário podia variar, mas Cass raramente se enganava. E tinha todos os dias a folha de inhame. Depois a gente trepava.

Houve uma ou duas noites em que telefonou e tive que ir pagar a fiança para livrá-la da detenção por embriaguez ou desordem.

— Esses filhos da puta — disse ela, — só porque pagam umas biritas pensam que são donos da gente.

— Quem topa o convite já está comprando barulho.

— Imaginei que estivessem interessados em mim e não apenas no meu corpo.

— Eu estou interessado em você e também no seu corpo. Mas duvido muito que a maioria não se contente com o corpo.

Me ausentei seis meses da cidade, vagabundeei um pouco e acabei voltando. Não esqueci Cass, mas a gente havia discutido por algum motivo qualquer e me deu vontade de zanzar por aí. Quando cheguei, supus que tivesse sumido, mas nem fazia meia hora que estava sentado no West End Bar quando entrou e veio sentar do meu lado.

— Como é, seu sacana, pelo que vejo já voltou.

Pedi bebida para ela. Depois olhei. Estava com um vestido de gola fechada. Cass jamais tinha andado com um traje desses. E logo abaixo de cada olheira, espetados, havia dois grampos com ponta de vidro. Só dava para ver as pontas, mas os grampos, virados para baixo, estavam enterrados na carne do rosto.

— Porra, ainda não desistiu de estragar sua beleza?

— Que nada, seu bobo, agora é moda.

— Pirou de vez.

— Sabe que sinto saudade — comentou.

— Não tem mais ninguém no pedaço?

— Não, só você. Mas agora resolvi dar uma de puta. Cobro dez pratas. Pra você, porém, é de graça.

— Tira esses grampos daí.

— Negativo. É moda.

— Estão me deixando chateado.

— Tem certeza?

— Claro que tenho, pô.

Cass tirou os grampos devagar e guardou na bolsa.

— Por que é que faz tanta questão de esculhambar o teu rosto? — perguntei. — Quando vai se conformar com a idéia de ser bonita?

— Quando as pessoas pararem de pensar que é a única coisa que eu sou. Beleza não vale nada e depois não dura. Você nem sabe a sorte que tem de ser feio. Assim, quando alguém simpatiza contigo, já sabe que é por outra razão.

— Então tá. Sorte minha, né?

— Não que você seja feio. Os outros é que acham. Até que a tua cara é bacana.

— Muito obrigado.

Tomamos outro drinque.

— O que anda fazendo? — perguntou.

— Nada. Não há jeito de me interessar por coisa alguma. Falta de ânimo.

— Eu também. Se fosse mulher, podia ser puta.

— Acho que não ia gostar de um contato tão íntimo com tantos caras desconhecidos. Acaba enchendo.

— Puro fato, acaba enchendo mesmo. Tudo acaba enchendo.

Saímos juntos do bar. Na rua as pessoas ainda se espantavam com Cass. Continuava linda, talvez mais do que antes.

Fomos para o meu endereço. Abri uma garrafa de vinho e ficamos batendo papo. Entre nós dois a conversa sempre fluía espontânea. Ela falava um pouco, eu prestava atenção, e depois chegava a minha vez. Nosso diálogo era sempre assim, simples, sem esforço nenhum. Parecia que tínhamos segredos em comum. Quando se descobria um que valesse a pena, Cass dava aquela risada — da maneira que só ela sabia dar. Era como a alegria provocada por uma fogueira. Enquanto conversávamos, fomos nos beijando e aproximando cada vez mais. Ficamos com tesão e resolvemos ir para a cama, Foi então que Cass tirou o vestido de gola fechada e vi a horrenda cicatriz irregular no pescoço — grande e saliente.

— Puta que pariu, criatura — exclamei, já deitado. — Puta que pariu. Como é que você foi me fazer uma coisa dessas?

— Experimentei uma noite, com um caco de garrafa. Não gosta mais de mim? Deixei de ser bonita?

Puxei-a para a cama e dei-lhe um beijo na boca. Me empurrou para trás e riu.

— Tem homens que me pagam as dez pratas, aí tiro a roupa e desistem
de transar. E eu guardo o dinheiro pra mim. É engraçadíssimo.

— Se é — retruquei, — estou quase morrendo de tanto rir… Cass, sua cretina, eu amo você… mas pára com esse negócio de querer se destruir. Você é a mulher mais cheia de vida que já encontrei.

Beijamos de novo. Começou a chorar baixinho. Sentia-lhe as lágrimas no rosto. Aqueles longos cabelos pretos me cobriam as costas feito mortalha. Colamos os corpos e começamos a trepar, lenta, sombria e maravilhosamente bem.

Na manhã seguinte acordei com Cass já em pé, preparando o café. Dava a impressão de estar perfeitamente calma e feliz. Até cantarolava. Fiquei ali deitado, contente com a felicidade dela. Por fim veio até a cama e me sacudiu.

— Levanta, cafajeste! Joga um pouco de água fria nessa cara e nessa pica e vem participar da festa!

Naquele dia convidei-a para ir à praia de carro. Como estávamos na metade da semana e o verão ainda não tinha chegado, encontramos tudo maravilhosamente deserto. Ratos de praia, com a roupa em farrapos, dormiam espalhados pelo gramado longe da areia. Outros, sentados em bancos de pedra, dividiam uma garrafa de bebida tristonha. Gaivotas esvoaçavam no ar, descuidadas e no entanto aturdidas. Velhinhas de seus 70 ou 80 anos, lado a lado nos bancos, comentavam a venda de imóveis herdados de maridos mortos há muito tempo, vitimados pelo ritmo e estupidez da sobrevivência. Por causa de tudo isso, respirava-se uma atmosfera de paz e ficamos andando, para cima e para baixo, deitando e espreguiçando-nos na relva, sem falar quase nada. Com aquela sensação simplesmente gostosa de estar juntos. Comprei sanduíches, batata frita e uns copos de bebida e nos deixamos ficar sentados, comendo na areia. Depois me abracei a Cass e dormimos encostados um no outro durante quase uma hora. Não sei por quê, mas foi melhor do que se tivessemos transado. Quando acordamos, voltamos de carro para onde eu morava e fiz o jantar. Jantamos e sugeri que fossemos para a cama. Cass hesitou um bocado de tempo, me olhando, e ao respondeu, pensativa:

— Não.

Levei-a outra vez até o bar, paguei-lhe um drinque e vim-me embora. No dia seguinte encontrei serviço como empacotador numa fábrica e passei o resto da semana trabalhando. Andava cansado demais para cogitar de sair à noite, mas naquela sexta-feira acabei indo ao West End Bar. Sentei e esperei por Cass. Passaram-se horas. Depois que já estava bastante bêbado, o sujeito que atendia no balcão me disse:

— Uma pena o que houve com sua amiga.

— Pena por quê? — estranhei.

— Desculpe. Pensei que soubesse.

— Não.

— Se suicidou. Foi enterrada ontem.

— Enterrada? — repeti.

Estava com a sensação de que ela ia entrar a qualquer momento pela porta da rua. Como poderia estar morta?

— Sim, pelas irmãs.

— Se suicidou? Pode-se saber de que modo?

— Cortou a garganta.

— Ah. Me dá outra dose.

Bebi até a hora de fechar. Cass, a mais bela das 5 irmãs, a mais linda mulher da cidade. Consegui ir dirigindo até onde morava. Não parava de pensar. Deveria ter insistido para que ficasse comigo em vez de aceitar aquele “não”. Todo o seu jeito era de quem gostava de mim. Eu é que simplesmente tinha bancado o durão, decerto por preguiça, por ser desligado demais. Merecia a minha morte e a dela. Era um cão. Não, para que pôr a culpa nos cães? Levantei, encontrei uma garrafa de vinho e bebi quase inteira. Cass, a garota mais linda da cidade, morta aos vinte anos.

Lá fora, na rua, alguém buzinou dentro de um carro. Uma buzina fortíssima, insistente. Bati a garrafa com força e gritei:

— MERDA! PÁRA COM ISSO, SEU FILHO DA PUTA!

A noite foi ficando cada vez mais escura e eu não podia fazer mais nada.



(do livro “Crônica de um Amor Louco”;
L&PM Editores. Tradução: Milton Persson)


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Crônica - Circunferência ou Círculo? - 27 de Novembro 2014

Circunferência ou Círculo?



Tempo, sempre estou escravizado por ele! Uma grande contagem de várias medidas, diversas deles. Queria ser um índio, onde o tempo se resume ao dia e a noite. A luz e a escuridão! quarta-feira a tarde! Eis-me aqui na solidão de minha oca ( bem queria eu que fosse uma oca!) a casa está vazia ( todos estão em suas lides produtivas a essa hora!) estou mais vazio que meu tugúrio. Jaz sobre minha cabeceira um sem número de livros inúteis, folheio alguns, busco figuras significativas em outros, um livro acerca de espiritismo e mística. Canso co a leitura e tomo resolução de sair de casa, perambular por aí, a esmo, percorrer itinerários aleatórios.  Para onde ir a essa hora da tarde, numa cidade pequena com poucas opções de estada?  Paro a sombra de uma árvore irresoluto da minha próxima paragem, abro a carteira, conto os níqueis , com um grande esforço cognitivo, realizo somas básicas e chego a conclusão que meus numerários são suficientes para uma estada momentânea num dos poucos cafés que circundam a praça central da cidade. O local escolhido é o café Lápis-Lazúli , um misto de café, bar e botica. O comércio não é os dos mais votados da cidade, mas fica num posição bastante favorável, do lado da sombra da tarde (muito embora a essa hora o sol já esteja a meio caminho do ocidente!), ele fica na rota de muitas jovens moças, moças fabris que a uma hora dessas estão de retorno de suas fainas diárias. As passantes que  constituem a leva de proletárias e constituída de mulheres feiíssimas,  ou três apenas, pagam a pena com algo de beleza física.  O lápis- Lazúli fica em frente a loja de secos e molhados, talvez o maior comércio atacadista do subúrbio local! Lá neste comércio, trabalha aquela moça de minhas ilusões e paixões juvenis. É uma jovem de pouca beleza mas de um charme encantador, sedutor. Iludo-me na crença de conseguir meu intento juvenil-pueril, mesmo sabendo que a dama é casada desde a muito tempo. Faz tempo que não a vejo, bem podia eu inventar alguma aquisição na loja de secos e molhados em que ela trabalha só pra ter o prazer de vê-la e deseja-la. Deseja-la somente. Após algum tempo de resistência tomo a iniciativa de ir até lá naquela loja, uma passada por lá não me custará nada, a não ser que eu exteriorize meus sentimentos mais escondidos por aquela moça  A jovem permanece lá, no mesmo local de sempre, indiferente a qualquer coisa, indiferente a qualquer flerte. Na observação à moça,  percebo que a mesma está sem seu principal acessório de identificação conjugal! No dedo anular da mão esquerda a vacância da circunferência Himenêutica .  ( Seria circunferência ou círculo? não sei bem!)  um sinal de esperança para mim ? A possibilidade de uma concretização de um desejo juvenil? Inquiro tais bestialidades, conjecturo outras, enquanto isso, a oca da loja de secos e molhados executa seu trabalho preenchendo o livro contábil com cifras e linguagem técnica contábil. Por que não fiquei no Café Lápis – Lazúli? Não fosse minha vinda para cá não teria ficado na dúvida, dúvida quanto a questões afetivas da moça da loja, dúvidas quanto a diferença entre circunferência e círculo! Dúvidas angustiosas e melancólicas. Ilusões pueris, conceitos geométricos formais e abstratos. O Amos absurdo de uma circunferência ou círculo simbólicos.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Crônica: Quadrantes - 21 de Novembro 2014

Crônica: Quadrantes

Quadrantes
Eis que chega a sexta-feira, as sombras do ocaso me convidam para perambular pelos bares  da cidade. Logo eu que passei a semana no ócio, na difícil missão de carpina do nada a fazer desde segunda-feira, aliás , desde sempre. As luzes da cidade me convidam para perambular no itinerário dos vários bares da urbe, cumprirei minha missão de fiel etílico! Permissões maiores ou limitações não me intimidam nesse momento! Vagabundeio pelo perímetro urbano até onde meus músculos fragilizados de perna e braço me permitem. Subo rua , desço alameda, e invariavelmente estaciono num dos meus favoritos lugares: o Ratisbona, um tradicional bar que é misto de café e bar. A essa hora as mesas do Ratisbona pululam de personalidades de vários tipos, proletários  e burgueses se misturam entra a clientela heterogênea do local de Baco! Onde estaria a essa hora a moça da loja de secos e molhados? Bem provável na companhia de seu cônjuge no tradicional lar suburbano! Um vozerio confuso enche a pequena sala do pequeno bar, as horas avançam, o álcool começam a embotar os cérebros dos locatórios momentâneas das mesas do Ratisbona, enquanto eu ocupo um modesto lugar solitário numa quina do prédio, mesa solitária de muita divagação e solidão! Nesse rodízio de ocupantes dos lugares, eis que surge a moça da loja de secos e molhados, ladeada pelo seu consorte, um homem espadaúdo e igualmente feio! Questiono tal fato e me irrito entre minhas divagações solitárias!!  As horas avançam, os transeuntes do local diminuem, as horas avançam, a lucidez vai indo embora, a embriaguez toma corpo do meu corpo e de minha mente.

Agora estou em casa, na solidão da alta noite, na falta de lucidez da minha insônia, do cérebro embotado de álcool e ilusões. A solidão da casa, só espíritos medrosos circundam meu modesto tugúrio! Onde estaria a uma hora dessas a moça da loja de secos e molhados? Estaria no seu culto a Dionísio com seu consorte? Não sei, melhor não pensar nesse fato! Angústia, solidão, nenhuma alma encarnada para conversar , nenhuma alma viva para exteriorizar minhas angustias, nem mesmo um discípulo para debatermos sobre a importância dos quadrantes  e sua simetria. A insônia me acompanhará até quando? Onde está meu sono? Onde estará a moça da loja de secos e molhados nesse quadrante ilógico?