domingo, 7 de agosto de 2011

Sandice dos neurocientistas - Cleto Brasileiro Pontes - Publicada no jornal O POVO em 7 Agosto 2011


"Inúmeras pesquisas nos Estados Unidos estão sendo feitas sobre a importância do beijo na boca. Helen Fisher, na Universidade Rutgers, descobriu que o ósculo provoca uma reação de prazer, motivação e recompensa comparável à cocaína. Imagens constataram uma estimulação no Sistema Nervoso Central, achado que nos leva a refletir sobre o valor científico dos nossos sentimentos.

Nem toda cultura valoriza o ósculo bucal. Ainda no século XX, na Finlândia, gêneros diferentes tomavam banho juntos, mas o beijo era indecente. Na China, o beijo reenviava à ideia de canibalismo. Na Mongólia, os pais beijam as cabeças de suas crias e, na Rússia, macho beija na boca de outro macho. No nosso Nordeste, o rei do baião, Luis Gonzaga, canta que o bom mesmo é cafungar no pescoço e Carolina é a nossa lira.

Como já dito em outras ocasiões, cor e gosto se discute, no entanto é indiscutível a força do olhar. Como acredito no amor à primeira vista, acredito também no olhar promíscuo. Os jovens dizem: é uma questão de química. Tradicionalmente, no Antigo Testamento, a força do olhar era valorizada, advindo, portanto, de uma tradição milenar. Se a razão é louca ou a loucura habita no seu cerne, a função dela é apenas a de ser guardiã. Portanto, o olhar tem o seu poder monárquico, impera, é o rei.

Na arte gastronômica, desconheço cultura em que o olhar seja desvalorizado. Literalmente comemos com os olhos. Dependendo da cultura, os demais órgãos do sentido são apenas auxiliares.

No Vietnã, o peixe podre é apreciado, assim como o máster, queijo com odor de fezes, é bastante valorizado pelos franceses. Ou seja, em ambas as culturas, o olhar vai à frente e o paladar segue a reboque. Ah! Como boas são as festas juninas, nas quais canela, cravo e outros cheiros mouros invadem a nossa sensualidade!

Infelizmente, os nossos pesquisadores, em sua grande maioria, são reféns do sistema consumista e de produção em escala. Como pneu é um pneu, parodiando a propaganda mais óbvia vista, beijo é um beijo, embora não possamos deixar de sonhar. Mais valorizar tanto o ósculo é sandice. Melhor e mais importante seria o cuidado com a nossa saúde bucal.

De forma alguma, desdenho o valor do afeto e, muito menos, a arte de amar, mas pesquisas como esta, além de maliciosas, estimulam o simples desejo de consumo e é anacrônica.

Em 1968, Roger Vadim realizou o filme Barbarella, bem encenado por Jane Fonda, estabelecendo o seu status como um dos maiores símbolos sexual dos Estados Unidos, no fim dos anos 60. Mal podia imaginar Roger, morto no ano 2000, que tal pesquisa tola viria acontecer em pleno século XXI."

Cleto Pontes
cletopontes@uol.com.br
Médico Psiquiatra e professor da UFC

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